Respiro o ar em torno e pergunto-me onde estou se já não consigo estar somente em mim?
ANSIOSO
Cazuza afirmava ser exagerado, digo sempre que sou ansioso. Sim, ansioso. Respiro todo o ar em torno e pergunto-me onde estou se já não consigo estar somente em mim? O que sou nunca me foi suficiente.
Vivo sempre a ultrapassar sem sequer perceber que estou passando. Ansiedade em mim é voracidade de viver. Uma luta contra o tempo e o espaço nessas minhas trajetórias sem fim. Passo e tenho consciência que é ínfima a parcela que percebo da vida. Ela me foge ao longe ou então desaba, me inundando de repente. Na verdade, tudo é infinitamente maior do que sou capaz e por isso sempre é ontem.
Bato asas desesperado e continuo faminto em minha fome de estar além, naquilo que ainda não estou. Vontade de tomar o tempo, dar passos além de minhas pernas. Vencer o paulatino, o sedimentar, queimar etapas, pular a rotina e o método.
Traio a mim mesmo como um amante perdido entre tantos amores. Erro quando me projeto e ainda me dói a parcela de tempo que perdi sem viver como deveria. Tenho consciência que minha existência poderia ser muito mais significativa se conseguisse absorve-la gomo a gomo, ano a ano, um de cada vez. Não tenho mais tempo. Resta absorver inteiros os pedaços que me são dados aos sentidos; Não sei fazer diferente.
Desespero-me a viajar em outras vidas. Assim alastrado já que o que vou sendo não me satisfaz. Vivo outros clarões, para além da tristeza de não ser muitos e apenas eu. “Onde existo que não existo em mim?” questiona Sá Carneiro, poeta português, que posteriormente se suicidaria.
Ansiedade talvez não seja um mal, embora essa consumição. Há passagens que me enchem de prazer. É quando me movo a caminho do outro espontaneamente, como aquele fosse o único caminho. A outra pessoa e suas grandezas e mesquinharias; suas riquezas e misérias pessoais intransferíveis. Então amo ansiosamente. Um derramamento e uma esponja a absorver a liquidez e todo ar circundante.
Só assim me liberto da angústia, do humano que é dor em mim. Escapo da desconfiança, do orgulho e minhas seguranças. Passo a aceitar cada pessoa no que ela pode ser capaz de revelar-se. Há expectativas, cada um pode vir a ser a esperança de preenchimento que exige o buraco sem fundo de minha ansiedade.
De qualquer maneira, apesar de ansioso, penso e pensar me torna parte do tempo e da paisagem. Pairo, solúvel no ar, compondo, fazendo parte da vida.
Composto em 01/07/2004
Reescrito em 07/11/2009.
Luiz Mendes.