Com foco na própria diversão, as novas estéticas pornô acabam com utopias e marcam o fim do universo Playboy
A pornografia é utópica? Talvez já tenha sido. Fato é que no século 21 ela se afasta dos estúdios espetaculosos e substitui camas redondas e lençóis de cetim por edredons amontoados num canto do quarto. Via webcam, e muitas vezes mediada por uma conta no PayPal, a pornografia pós-internet tem como um de seus principais pressupostos a diversão de quem a pratica — pessoas dispostas primeiro a realizar suas vontades e, depois, conforme ficarem as imagens, proporcionar a nossa alegria, muitas vezes chamando à interação.
Um caso é o da japonesa pink_part__, no Instagram (foto). Lasciva sem perder a ternura, nos remete às fotografias de Nobuyoshi Araki e ao erotismo das gravuras de Hokusai, como a obra-prima The Dream of the Fisherman’s Wife (1814). Seus autorretratos, desenhos e colagens exibem um universo coerente e particular. Bananas sugestivas, membros escondidos por cachos de uva ou sabonetes de ursinho se misturam a rendas e trocas de carinho.
Outra experiência, mais ativa, é o Chaturbate, site que proporciona interações ao vivo, via câmera e chats, entre quem estiver on-line, incluindo casais ou grupos. Alguns membros mais empenhados fazem aparições que chegam a durar 24 horas, assistidas por milhares de pessoas.
Beatriz Preciado, no livro Pornotopia (2010, Anagrama, ainda sem edição no Brasil), conta como o compartilhamento de fotos de mulheres nuas teve início na Primeira e na Segunda Guerra, com a missão de entreter o espírito dos soldados no campo de batalha. O sucesso dessa empreitada do exército americano e o aumento significativo do número de solteiros estão entre os principais estímulos que inspiraram Hugh Hefner a criar a Playboy.
Ao desenvolver um aparato sensível disposto a entreter mentes em massa, a Disneylândia masculina de Hefner foi responsável por popularizar a pornografia. Por mais que a revista tenha tido seu pioneirismo, Preciado ressalta que, após a internet, a Hefner e seu universo só resta a nostalgia.
Mais verdadeira ou não, hoje a produção de pornografia é vasta e pode exigir um pouco mais do espectador. O investimento compensa. Nos estilhaços das utopias, a diversão ganha em complexidade.