por Carol Ito

Testamos dois apps de terapia online, a nova tendência da rede. O resultado virou uma HQ

Terapia pelo computador ou celular tem pipocado em aplicativos na rede e angariado adeptos pelo país. Há pelo menos dois anos, empresas digitais brasileiras oferecem aconselhamento psicológico via chat, e-mail ou videochamada que vão desde a tradicional psicanálise até técnicas de hipnose e terapia de casal; sempre com a comodidade tentadora do divã a qualquer hora e local.

Pode parecer estranho, só que a prática é tendência mundial: na Inglaterra, por exemplo, o sistema público de saúde já inclui softwares do serviço online. A justificativa é de que, assim, a psicoterapia tem alcance a lugares de difícil acesso e ao público mais jovem – e inibido com o atendimento presencial. Os investimentos chegam a 500 milhões de dólares ao ano.

Mas, afinal, terapia online funciona mesmo? Na dúvida, viramos cobaia – e relatamos a experiência em HQ.

Divã ou sofá?

App disputado nesse rol, o ZenKlub, do médico português Rui Brandão, contabiliza mil atendimentos ao mês de terapia por videochamada. Segundo Rui, que vive em São Paulo e criou o serviço um ano atrás, seus clientes são pessoas ativas, com dia a dia corrido, e por isso recorrem à funcionalidade. 25% moram fora do Brasil, e há casos de psicólogos que mudaram do país e seguem com seus atendimentos por meio do app. “O que a gente vê é um número gigante de pessoas que nunca fizeram terapia. Presencialmente, é tão difícil encontrar o profissional certo que isso inibe as pessoas”, argumenta Brandão. Pelo aplicativo, é possível testar profissionais até encontrar o ideal.

A psicanalista Luciana Taguti mantém um consultório em São Paulo e, há um ano, atende também pelo ZenKlub. Pelo app, aumentou seu alcance (tem pacientes em vários países, como o Catar e os Estados Unidos) e também a disponibilidade (uma mão na roda ante as dificuldades de locomoção e horários na rotina frenética da cidade. Ela atende, inclusive, vários trabalhadores em horário de almoço). "Os pacientes podem estar no sofá, na cama, tomar um chá, um café, fumar um cigarro... Para quem tem problema de síndrome do pânico ou de mobilidade, é um formato inovador”, defende.

Ela também vê vantagens do online na relação entre paciente e terapeuta. "Você percebe a pessoa à vontade, é uma quebra de barreira." Luciana acredita que nem o rito do encontro se perde com a experiência, que, para ela, está longe de ser impessoal. Mas pondera que, em geral, os pacientes via app são mais imediatistas que os presenciais. Querem soluções práticas e rápidas.

A rapidez e a impessoalidade da internet, por outro lado, podem ajudar a romper as barreiras da primeira consulta, de acordo com o que os profissionais relatam. O perfil e as necessidades desses novos pacientes também vêm mudando a cara de alguns tipos de tratamento. Recentemente, foram incluídas opções de coaching , programação neurolinguística e mindfulness no app.

Casos e casos

Criador do app FalaFreud, que tem sede nos Estados Unidos e existe desde 2015, o brasileiro Yonathan Faber explica que, na maioria, os usuários não têm necessidade de terapia presencial, mas sim de alguém para conversar, com quem possam falar sobre os problemas e de quem ouvir uma opinião neutra. E o online supriria a demanda com muito mais praticidade. “Hoje está todo mundo ocupado, com milhões de coisas para fazer. É difícil dedicar uma ou duas horas para sua saúde mental”, diz.

Para o psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker, não é tão simples assim. Ele aponta que diagnósticos mais graves (como esquizofrenia, e transtornos dissociativos) restringem a terapia online, além de também não ser o método ideal para consumidores de medicação psiquiátrica, alcoolistas em momento de abstinência e pessoas que idealizam suicídio. “Em 2015 havia apenas seis ensaios clínicos que atestavam a eficácia e a efetividade dessas formas alternativas de psicoterapia. A prática antecede a regulamentação”, aponta.

Caminhos da profissão

Assim como uma terapia convencional, as consultas por aplicativo são cobradas a cada sessão ou pacotes mensais. E também há o compromisso com o sigilo – mas se tratando de redes sociais, como o Skype, isso foge do controle dos profissionais.

Para João Burnier, psicólogo que atende presencialmente em consultório particular, os serviços online refletem uma precarização do trabalho do psicólogo. "É algo parecido com o que acontece no Ensino Superior: de um lado, boas faculdades; de outro, algumas ‘Uni-Esquinas’ bem ruins."

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Ele alerta para a importância de se dedicar de fato um tempo para o autoconhecimento, e não adaptar isso numa versão mais confortável e virtual, o que dificulta a concentração. “O espaço terapêutico também possibilita vivenciar relações que estão em falta. Isso pede entrega e foco." Burnier diz que atende pessoas que, nem na presença dele, conseguem ficar sem o celular na mão. E questiona: “Será que você não consegue se dar nem 50 minutos da sua semana para olhar para si?”.

Em meio ao debate, ainda há uma ressalva: o Conselho Regional de Psicologia (CRP) de São Paulo permite a realização de atendimento psicoterapêutipo mediado por computador apenas em caráter de pesquisa, sem envolver remuneração. São reconhecidos, com aplicação de um selo, os serviços psicológicos mediados por computador, desde que não psicoterapêuticos. Guilherme Raggi, Presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização do CRP, explica que a diferença se dá porque o serviço online é mais pontual, embora o conselho tenha ampliado o escopo nos últimos anos.

A falta de pesquisas no Brasil dificulta a regulamentação: “Não é uma questão simples de transferir resultados de outros lugares para cá. Temos de considerar nossa cultura, as características da profissão de psicólogo no país e como isso afeta esse tipo de oferta de serviço”, completa Raggi.

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Imagem principal: Carolina Ito

Carolina Ito

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