AliExpress: uma geral no Negócio da China

por Carol Ito
Trip #276

O gigante chinês é o e-commerce estrangeiro preferido dos brasileiros. Mas atenção: o preço baixo pode esconder um custo alto

No início do ano, um paulistano comprou pelo AliExpress alguns vidrinhos de poppers (ou nitrito de isobutila), uma droga recreativa usada para aumentar o prazer sexual, proibida no Brasil. Um mês depois, o pacote finalmente chegou em sua casa. “Estava todo feliz pra usar a droguinha, mas não bateu nada. Os rótulos estavam em chinês e, pesquisando, descobri que eram, na verdade, removedores de esmalte.” O comprador decidiu não registrar uma reclamação no e-commerce chinês. “Nunca tentei recuperar o dinheiro, é muito barato. Vou esperar meses pra ter o retorno de alguma coisa?” Acabou comprando a droga, desta vez a certa, de outro vendedor do AliExpress, que chegou depois de mais um mês.

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A youtuber curitibana Kim Carvalho tem experiência com compras feitas pela loja chinesa. “Todo mês separo dinheiro pra fazer minhas comprinhas, de roupa para o meu cachorro até cosméticos.” Entre experiências bem-sucedidas, comprou uma maquiagem que chegou mofada. “Tinha que enviar o produto de volta pra China, pagar frete, resolvi deixar pra lá.”

Mesmo com longas esperas, falhas na entrega e alta do dólar, nada parece inibir os brasileiros de comprar produtos da China pela internet. Mais de 50% das pessoas que fazem compras on-line no Brasil consultam sites chineses antes de fechar negócio, segundo a Pitney Bowes, especializada em tecnologia de rastreamento postal. E os segmentos que mais movimentam o tráfego entre Brasil e China são eletrônicos (31%), moda (29%) e informática (27%). “No Brasil, a taxa de importação é alta para eletrônicos [60% do valor de itens acima de US$ 50]. Diante disso, o preço chinês é muito competitivo”, explica Silvio Maemura, presidente da Pitney Bowes no Brasil. 

“Os brasileiros gastaram US$ 2,7 bilhões em sites estrangeiros no ano passado”, conta Pedro Guasti, presidente do Conselho de Comércio Eletrônico da FecomercioSP e diretor de relações institucionais da Ebit, consultoria especializada em lojas virtuais.

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E o favorito dos brasileiros, segundo dados da Ebit, é o AliExpress. Criado em 2010 e voltado para consumidores fora da China, vende de perucas a peças de carros (são mais de 100 milhões de produtos anunciados) para 100 milhões de clientes no mundo todo. Em 2017, 54% dos brasileiros que fizeram compras internacionais optaram pelo site chinês, superando Amazon (26%), eBay (19%) e Apple (8%) – assim como o segundo do ranking, o AliExpress vende itens produzidos por terceiros, conectando clientes e fabricantes. O Brasil está entre os dez países que mais consomem no e-commerce.

Fracassos

Por trás do fenômeno que é o AliExpress está Jack Ma, 53 anos, fundador e maior acionista do grupo Alibaba, que detém a loja virtual. Durante o Fórum Econômico Mundial de 2015, em Davos, o ex-professor de inglês – que aprendeu a língua oferecendo aos hóspedes do principal hotel de Hangzhou passeios pela cidade em troca de aulas – narrou sua trajetória de fracassos: “Fui rejeitado por uns 30 empregos”, uma lista que inclui o KFC. “Tentei entrar em Harvard dez vezes, mas não fui aceito.”

Em 1999, fundou o Alibaba com colegas em seu apartamento em Hangzhou. A ideia era ajudar pequenas empresas a vender seus produtos fora da China, com ajuda do e-commerce. Quando o grupo abriu suas ações para oferta pública em 2014, conquistou o valor mais alto da história até então.

Mas nem tudo foram flores. No ano seguinte, a Keiring (holding francesa que detém marcas como Gucci e Balenciaga) processou o Alibaba por ser um paraíso das falsificações. Em 2016, o grupo foi obrigado a deixar a Coalizão Internacional Antifalsificações (Washington), por conta das reclamações da Keiring e outras fabricantes de artigos de luxo.  Na época, o dono da Alibaba defendeu sua posição em eliminar os falsificados, apesar de ser uma “luta sem fim”. “A Amazon, por exemplo, por estar nos EUA, tem que fazer um compliance (as normas de um negócio) dos fornecedores dela, oferecendo uma garantia”, diz Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do RJ.

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Apesar disso, o negócio segue de vento em popa. Com uma fortuna de US$ 39 bilhões, o empresário é hoje o segundo homem mais rico da China e ocupa o oitavo lugar na lista de bilionários na área de tecnologia da Forbes, atrás de pesos-pesados como Jeff Bezos (Amazon), Bill Gates (Microsoft) e Mark Zuckerberg (Facebook), que ocupam as três primeiras posições, respectivamente.

E o AliExpress deve prosperar mais: o Alibaba pretende atingir 2 bilhões de clientes no mundo nos próximos 20 anos.

Presente inesperado

Em maio do ano passado, Kim Carvalho postou um vídeo explicativo sobre a loja virtual chinesa (Tudo o que você precisa saber sobre o AliExpress) em seu canal no YouTube, que alcançou 340 mil visualizações. “Foi ele que alavancou o canal.” São mais de 8 milhões de vídeos sobre o e-commerce no mecanismo de busca da plataforma, de tutoriais sobre como ganhar produtos de forma gratuita até como burlar a taxação (mesmo quando se compra em maior quantidade para revenda), passando por exemplos de compras bem-sucedidas.

Kim diz não se importar com a demora para ter em mãos os itens adquiridos pela loja virtual chinesa: “É como se fosse um presente inesperado. Ele chega quando já nem lembro mais”, conta.

Os produtos da China demoram cerca de uma semana para chegar ao Brasil, através do transporte marítimo ou aéreo, lembra Guasti. O que atrasa as entregas são a passagem pela alfândega e os procedimentos dos Correios, que precisam lidar com um grande volume. Segundo a empresa, desde outubro, o número de encomendas internacionais diárias aumentou de 100 mil para 300 mil. “A Receita Federal não tem um sistema eficiente para cobrar todas as compras feitas fora do Brasil. Então, faz processos amostrais, uma coisa bem manual”, completa.

Gerente de negócios de importação dos Correios, Nailton Alves de Oliveira avalia que cerca de 40% do volume de pequenas encomendas internacionais vêm da China. O problema é que 50% delas são postadas como encomendas simples (geralmente, a partir de anúncios de frete grátis), sem registro, o que evita uma cobrança maior de frete ou impostos com alfândega – Trip tentou insistentemente o contato com o AliExpress sobre esta e outras questões, mas eles se limitaram a confirmar poucos dados. 

 É uma decisão do cliente optar por esse tipo de entrega, já que existem outras opções de frete, mais caras. “O consumidor sabe e aceita que alguns produtos podem parar na alfândega, além de que a maioria vai chegar até ele sem ser fiscalizada. Isso faz parte da decisão de compra”, diz  Steibel.

“Se custa pouco, é tão fácil comprar, tem variedade, por que não vou arriscar? É uma lógica que favorece o consumismo”, completa. “O preço é fundamental para o brasileiro. Por que ele compra muita coisa da China? Porque é mais barato”, diz Maemura. Na decisão do consumidor, pesa a alta carga tributária brasileira, que onera o preço final de um produto. “O mercado brasileiro formal não consegue competir”, completa Guasti. 

Se a compra é barata, o preço é maior. “Um produto custa US$ 5, mas você não sabe como foi produzido nem como são as condições de trabalho. É um cheque em branco”, alerta Steibel. Enquanto o cenário for favorável para China, as encomendas seguirão na casa dos milhões.

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