Dá pra viver sem mentir? Não há mais segredos possíveis? Uma edição em busca da verdade
“Gente é uma experiência que não deu certo” diria o leitor, enojado, diante dos segredos mesquinhos que vão sendo liberados pelo conta-gotas do WikiLeaks. Das picuinhas invejosas e miúdas disparadas por diplomatas e lacaios a serviço de governos a ordens frias e vis que não medem consequências para privilegiar projetos de poder doentios e interesses duvidosos.
Por mais que na elaboração desta Trip tenhamos conseguido escapar do fenômeno midiático que mexeu com o mundo nos últimos meses, o site pilotado por Julian Assange nos serve de parâmetro. É que os milhares de documentos até ontem secretos que ele vai revelando a cada dia não são nada mais do que um microcosmo das diferentes graduações de mentiras que compõem o universo em que estamos metidos. Mentirinhas bestas e inofensivas tão pequenas quanto o espírito de quem as profere convivem com omissões virulentas e destrutivas, separadas por mentiras e segredos de médio porte, aquelas que, como diria o eminente filósofo Paulo Salim Maluf, “estupram mas não matam”.
É evidente que imaginar um mundo sem mentiras ou pequenas omissões, mais do que ingenuidade, é algo assustador e temerário. Se, por apenas um dia, os pudores e freios civilizatórios que acionamos mentalmente – quase sempre sem sequer perceber – fossem desligados e passássemos a verbalizar tudo aquilo que atravessa nossos pensamentos, uma espécie de caos psíquico tomaria conta das ruas e arruinaria relações humanas e boa parte dos sistemas que mantêm o mundo em pé e relativamente equilibrado. Mas é interessante perguntar se esses mecanismos não estão exacerbados pelo avanço dos tempos. Foi com essa dúvida em mente que partimos para as ruas. Para investigar um pouco do que vai por nossas cabeças quando mentimos, omitimos, enganamos e também quando criamos, guardamos ou revelamos nossos segredos.
Que tipo de pulsão teria, por exemplo, movido um sujeito de classe média a sair mentindo compulsivamente, enganando empresários, artistas e apresentadores de televisão enquanto se fazia passar por outra(s) pessoa(s) degustando fama, lambiscando poder, saboreando mulheres e gargarejando com a ingenuidade e a bobeira dos supostos privilegiados, até terminar atrás das grades? E, mais, que conclusões teria tirado, depois de vivenciar por dentro mundos aos quais regularmente jamais teria tido acesso? E, por fim, o que nos fascina tanto nessa atitude, a ponto de transformar sua história em livros e filmes de cinema?
Fala a verdade... a mentira, o mistério, o segredo... são mesmo intrigantes espelhos.
Paulo Anis Lima, editor