O teórico de comunicação se encontra com o homem que levou a internet para a favela
No dia em que o festival de Woodstock completou 40 anos, Claudio Prado se dirigia à favela de Antares, na zona oeste do Rio de Janeiro, para participar do primeiro encontro entre os homenageados do Prêmio Trip Transformadores 2009, que será realizado dia 25 de novembro no auditório do Ibirapuera.
Prado, hippie visionário, filho genuíno da contracultura dos anos 70, estava ansioso para conhecer melhor Dando, garoto de 25 anos que está fazendo uma revolução digital na comunidade pobre da periferia carioca, conectando seus moradores ao mundo virtual.
“Hoje no Brasil acontece o mesmo que rolou naquele fim de semana no Estado de Nova York, em 1969. Um bando de gente se enfiando num lugar, desta vez o ciberespaço, se unindo pra mudar o mundo, transformar a sociedade defendendo os mesmos ideais de liberdade, paz e ecologia. O movimento hippie deixou sua herança no Vale do Silício, na Califórnia, no conceito de software livre, por exemplo”, observa Claudio, e exclama: “Só que, hoje, o grande festival acontece no YouTube!”.
Tecnologias subversivas
Esse sexagenário avô de 11 netos carrega a bandeira da cultura digital, defendendo-a como elemento essencial na construção do cidadão do século 21: “Conectada, a pessoa ganha o mundo, tem acesso a informações e encontra os recursos para se desenvolver e potencializar seu trabalho”, diz o produtor da primeira edição do Festival de Águas Claras, em 1975 – tido como a versão nacional de Woodstock –, hoje à frente da ONG que fundou recentemente, a Laboratório Brasileiro de Cultura Digital. “As tecnologias digitais são profundamente subversivas ao capitalismo selvagem, ao deus do consumo, o ópio que chamamos de mercado.
Elas apontam para uma nova forma de organização socioeconômica, mais democrática e descentralizada. A internet e os recursos multimídia da informática são as novas armas da revolução paz e amor”, defende. Claudio, a convite do então ministro Gilberto Gil, soube explorar de forma pioneira os recursos dos Pontos de Cultura criados pelo Ministério, promovendo as novidades tecnológicas a favor da sociedade e suas expressões culturais.
Essa defesa da cultura digital encontra forte respaldo na atuação de Anderson Luis Balbino de Souza, o Dando, em sua comunidade de 25 mil habitantes.
Quem sai da zona sul carioca em direção à baía de Angra dos Reis passa pelo bairro de Santa Cruz, onde fica a favela de Antares. Mas o motorista viajante não imagina a transformação profunda que acontece por lá. Edson Araújo Lima mora ali e costumava trabalhar como porteiro de condomínio de luxo na Barra.
Na época, ele recolhia as peças de computadores desprezadas pelos condôminos. Queria repassá-las a Dando, micreiro conhecido na favela. Mas, em vez de aceitá-las para si, o rapaz estimulou Edson a montar seu próprio computador. Pintando de preto os monitores amarelados e preenchendo com papel as letras faltantes nos teclados velhos, Edson hoje tem em casa “um monitor LCD 19 polegadas, HD 160 com 2 GB de memória, placa de vídeo e de captura”.
Não é mais porteiro. O vizinho virou sócio e, junto, produzem álbum de fotos e vídeo de casamentos e cultos evangélicos para os moradores da região. “O centro do mundo não é mais a Vieira Souto”, sentencia Claudio. “Emprego é coisa do fundamentalismo do século 20. Hoje, a molecada tem que correr atrás de trabalho, cada um desenvolvendo seu talento profissional a partir das necessidades ao redor. E, para isso, abusando da corrida tecnológica, claro.”
Encontro no chat
Claudio e Dando se conheceram tempos atrás numa sala de bate-papo na internet. Pouco depois, tiveram a oportunidade de se verem pessoalmente em um seminário na FGV (Fundação Getúlio Vargas), mas foi no encontro organizado pela Trip que tiveram tempo para trocar ideias e rapidamente inauguraram o primeiro projeto da ONG de Claudio.
O Laboratório Brasileiro de Cultura Digital vai ajudar Dando, intermediando contatos para investimentos, a implementar um videoclube em Antares, doando filmes e documentários que não se encontram nas salas de cinema de Campo Grande e Bangu. O projeto prevê ainda a produção de uma sala de projeção para os moradores: “Estamos nos apropriando da tecnologia para mudar nossa realidade local”, conta Dando.
Enquanto não consegue um projetor de verdade, Dando improvisou uma grande lente de aumento acoplada a uma TV 14 polegadas que, colocada dentro de um caixote, projeta o filme em imagem ampliada na parede, para todos assistirem. “O Brasil parece ter um talento natural para formar redes colaborativas, reciclar velhos conceitos e criar oportunidades a partir das necessidades. Queremos semear e ver crescer a multiplicação do conhecimento”, anima-se Claudio.
Faxineira exportadora
Dando saca o violão para cantar uma música que compôs no dia em que conheceu Claudio. Mas antes conta a história da faxineira que, nas horas vagas, faz cestos a partir de restos de massa e tinta que o marido, pintor, traz das obras onde trabalha. Difícil era levar as cestas grandes no trem e no ônibus até Ipanema.
Dando falou sobre a internet – “o que é isso, meu filho?” – e logo botou os cestos à venda no Mercado Livre. O correio se encarrega das entregas para outros Estados e até países: através do e-Bay, a faxineira de Antares já exportou para Canadá e Indonésia. Sentado à frente de Claudio, Dando canta o refrão: “Eu vou quebrar a tua ignorância. e abrir, para todos, o conhecimento.”.
É nas lan houses da favela que a faxineira consegue usar a internet para vender seus produtos. Em Antares, já são oito casas de acesso à rede, sempre lotadas de crianças, adolescentes e adultos, funcionando de manhã até a noite, em geral cobrando R$ 1 a hora.
O amigo de infância Cristiano Gomes ficou desempregado, mas aprendeu com Dando os truques da informática e acaba de inaugurar sua própria “lan”: “Chega a ter dez pessoas na fila de espera. O bacana é que o Dando ensina a ter autonomia, faz as pessoas se virarem sozinhas”, diz o orgulhoso proprietário, rodeado pelos três filhos.
De fato, Dando semeia o conhecimento: “Ensino as pessoas a usarem a tecnologia a seu favor. Conseguimos apoio para oferecer pacotes de acesso à internet a preços populares e instruo os jovens do bairro a prestarem serviço de instalação de antenas e manutenção de celulares”.
Assistindo in loco ao futuro que vislumbra, Claudio sintetiza a revolução silenciosa que acontece em Antares: “O ciberespaço é um oásis que brota em todos os lugares, um território cada vez mais real e parecido com a utopia do hino ‘Imagine’, de John Lennon. A era digital é a era da velocidade máxima e não temos alternativa a não ser acelerar. Mas, pela primeira vez, com a perspectiva de que existe quietude no olho do furacão”.