Mulheres se juntam para, com trabalho manual, acolher filhos de refugiadas africanas no Brasil
O que esperar de 20 mulheres que se juntam em uma sala com lã, agulha, bolo e chá? Uma tarde repleta de trocas, com toda certeza. Mas o resultado é surpreendentemente transformador. No dia 30 de setembro deste ano, essas mulheres se encontraram em São Paulo e reuniram aproximadamente 1,5 mil quadrados de tricô de 20 centímetros com o objetivo de fazer mantas de tamanho infantil. Enquanto costuravam os quadrados, estavam costurando as histórias que começavam a se encontrar a partir daquele momento. Seja a de mulheres que, mesmo sem se conhecer, se uniram nessa causa, seja a dos futuros presenteados por essas mantas: filhos de mulheres africanas imigrantes e refugiadas no Brasil, do projeto Iada África.
“É preciso sair da aflição e partir para a ação para transformar essa realidade”
A ideia inicial do projeto foi de Bel César, psicóloga clínica, mãe do mestre budista Lama Michel e praticante do budismo tibetano há 30 anos. “Quando eu via os refugiados chegando de barco naquelas águas frias, pensava: ‘Poxa, se eles tivessem uma manta quentinha’. Sentia vontade de fazer alguma coisa, sabe? E é preciso sair da aflição e partir para a ação para transformar essa realidade”, diz Bel. Para ela, essa realidade parecia distante, mas é preciso levar em consideração que hoje o Brasil recebe muitos refugiados que, diferente do senso comum, não são em sua totalidade homens.
Ao lado da professora de tricô Leninha Egreja, amiga de Bel, a ideia germinou e tem seu primeiro desabrochar junto ao Trip Transformadores 2017. O encontro entre Bel, as mulheres que tricotaram e as mulheres africanas do projeto Iada acontece no palco do Pause Festival, evento gratuito que será dia 28 de outubro em São Paulo. “O tricô exige tempo”, explica Bel. E continua: “Isso traz muitos frutos não só para quem recebe o resultado final, como para quem faz. Doando seu tempo para fazer esse tricô, é você quem recebe amor e transformação.”
“Desacelerar para pensar no outro é fazer carinho em si mesmo. É amor”
O projeto Iada África, que receberá a doação das mantas finalizadas, foi desenvolvido por Nádia Ferreira, 37 anos, imigrante de Guiné-Bissau que está há 16 anos no Brasil e atua há mais de dez anos em causas sociais. Nádia é empreendedora e luta pelo empoderamento de mulheres africanas refugiadas no Brasil. Em comum com Bel, ela também acredita que usar o tempo para focar no ser humano é transformador. “Quando dou o que tenho de mais precioso para o outro, que é o tempo, eu olho para a humanidade com carinho. Isso não tem medida. As coisas artesanais dedicam tempo e a vida é tempo, desacelerar para pensar no outro é fazer carinho em si mesmo. É amor”, diz Nádia.
Muitas das mulheres que se reuniram para costurar são pacientes de Bel, e tiveram com o tricô um processo de autoconhecimento e transformação profunda. O processo de fazer os quadradinhos também tem a ver com costurar essas histórias. É um reencontro. “Tenho pacientes aqui que estavam em processos profundos de depressão e com o tricô viram outras possibilidades de se comunicar e de se doar para algo maior e transformador”, conta a psicóloga. Para ela, tricotar é uma atividade importante para o equilíbrio do corpo e da mente. Deise Rubini, 60 anos, paciente de Bel, é prova viva disso. “Com essa experiência eu revivi”, confessa.
“ Eu esquecia de tudo quando estava costurando, não lembrava da depressão”
Depois de começar a fazer terapia com Bel, ouviu um conselho: “Faça crochê!”. “Minha primeira resposta foi: ‘Fazer crochê? Pra que, uma coisa tão bobinha!’.”, relembra. Na mesma tarde pediu ao seu filho que comprasse lãs e agulhas. “Quanto mais eu fazia, mais amor ia nascendo dentro de mim. Eu esquecia de tudo quando estava costurando, não lembrava da depressão. Eu pensava nas crianças que receberiam aquelas mantas e no sentimento de gratidão a isso. Tenho certeza absoluta que costurar foi um processo de cura para mim. Sentia que era para fazer o bem para o outro, mas fazia bem para mim também”, conta, emocionada, Deise.
A história de Bel com o tricô também envolve cura. Mesmo tendo aprendendo a tricotar quando pequena, o gosto pelas agulhas voltou quando Lama Michel nasceu, ela fazia casaquinhos para ele. Mas a relação com o trabalho manual se estreitou quando sua mãe ficou doente. “Vou tricotar uma manta até a minha mãe se curar ou completar seu processo”, conta. A partir de então, a lã e as agulhas viraram melhores aliados para desenvolver o que existia de bom dentro dela e nunca mais parou de tricotar. “É uma boa prática para fazer as pazes com algo dentro da gente e cultivar uma meditação sobre o que queremos transformar”, finaliza Bel.
Acompanhe a entrega dessa ação no Pause Festival. Vai lá:
Pause Festival bit.ly/pause-festival
Onde: Anfiteatro do parque Villa-Lobos
Quando: 28 de outubro, a partir das 14h
Quanto: Gratuito
Mulheres que tricotaram:
Deise Rubini
Luciana Moura
Gaudencia Anaya Secco
Isabella Rogatschenko
Aloice Cristina Secco Caetano
Luciana Bruzadin
Irene Guerriero
Sandra Santana
Dora Giorgi Guerriero
Patricia Franco Mendes
Sabrina Moll Battistella
Sonia Regina Portella Mótono
Bianca Portella Mótono
Ana Sandoval Meirelles Ohara
Leninha Egreja
Annaluiza De Rosso Buzzoni,
Edir Teixeira
Marina Assunção Tramontano
Yolanda Misumi
Tatiana Misumi
Roza Yamauchi
Ana Lúcia Silva Gomes Gonçalves
Kalinka Hobo
Aparecida Kazuko Hobo
Mariana Hobo
Gabriela Rossi Gonçalves Misumi
Flávia Moraes
Marcia Moura
Rosana da Cruz Sousa
Gislaine Camocardi Jorge
Ângela Cristina Rubini
Maria Cristina da Silva Gomes
Jeferson Igor Santos Correia
Anna Pasquini Miguel
Eliana de Fatima Pasquini Miguel
Janete Provazzi Pessoa de Andrade
Nandir Lira da Silva
Fabia Lira
Marina Gomes
Juliana Sandoval
Amanda Salatiel
Nava Erich Joseph
Andrea Bomerenke
Juliana Malavolta
Eleni Cruz
Rosana Maimeri
Ida Cristina Lissone
Debora Ulrich
Suely Takitani
Naomi Takitani
Flávia Vieira
Lilian Franco
Marisa Manhas Botelho
Mara Rivas
Mara Cascelli
Wilma Cascelli
Salma Kassis
Marisa Molinari Azevedo
Regina Rossi
Claudia Santochi
Elza Xirata
Madalena Flores Rocco
Berta Ita Kleiman
Beatriz Goldfarb
Anacris Aloia
Créditos
Imagem principal: Fernanda Lenz