A chef que construiu um império da gastronomia fala sobre a rotina frenética, praia, maternidade e negócios: ”É um equilíbrio difícil para a mulher que tem uma carreira”
Houve uma época em que a cozinheira caiçara Renata Vanzetto, crescida em Ilhabela, tinha remorso de admitir que a vida da praia não lhe causava tanta saudade assim. Hoje ela usa o título de workaholic com certo orgulho e se tira mais de cinco dias de folga já admite que logo vem o "faniquito" e a vontade de voltar para a rotina. Com dez marcas para administrar, entre restaurantes e um buffet, são poucas coisas que sossegam seu espírito hiperativo. "A hora que o negócio acalma e sobra tempo para ir ao cabeleireiro, invento algum absurdo: faço um filho e paro de dormir à noite, abro um restaurante, ou troco os todos os meus cardápios. Hoje sei que sou feliz produzindo."
A ascensão de Renata foi muito rápida: ela estourou aos 18 anos com o Marakuthai, seu primeiro restaurante, aberto em família, no litoral paulista. Foi lá que ganhou o título de Chef Revelação pelo extinto Guia Quatro Rodas. Movida pela fama repentina, já no ano seguinte subiu a serra e multiplicou o sucesso na cidade de São Paulo. Uma empresária de mão cheia, sempre cuidou de cada detalhe de todas as suas casas, do cardápio aos quadros, que ela mesma pinta.
O Ema, seu estabelecimento assinatura, surgiu de alguma forma da paixão pelas pinceladas. Encorajada pela mãe a pintar para superar a perda do namorado Luigi Maria Ucelli Di Nemi, que morreu em um acidente de mergulho, ela começou a se arriscar na arte e como em muitos aspectos de sua vida, caiu na atividade sem restrições. "Comecei a desenhar emas compulsivamente. Um dia me vi num quarto com mais de cinquenta quadros de ema. Sei lá por que ema." O quarto acabou virando o restaurante onde ela expõe, além dos bichos, seu menu autoral.
Mãe de duas crianças lindas, recentemente a chef foi autora de um gesto belíssimo ao compartilhar a história do seu filho de três anos, o Ziggy, e trazer à superfície, embora ele ainda não tenha um diagnóstico fechado, uma questão ainda pouco discutida, a dos transtornos do espectro autista. "Você detectar um atraso de desenvolvimento ou um desequilíbrio sensorial no seu filho é muito importante; só assim é possível dar o estímulo necessário."
Extremamente franca, são poucos os assuntos que a cozinheira Renata Vanzetto trata sem um sorriso. No papo com o Trip FM, ela ainda falou do famoso sanduíche crazy crispy chicken, de kitesurf e dos motivos que a levaram a tirar o silicone. Ouça o programa no Spotify, no play nesta reportagem ou leia um trecho da entrevista a seguir.
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Trip. Você, em um determinado momento, veio para São Paulo, mas hoje o que a gente vê, principalmente com a pandemia, é uma intensificação do movimento de pessoas saindo da cidade. Às vezes não dá a sensação de ter feito o movimento da contramão?
Renata Vanzetto. Eu recebo muito esse tipo de pergunta, ainda mais nesse momento em que a Ilhabela está bombando. Vários amigos abandonando tudo e indo criar os filhos lá, que foi um pouco o que meus pais fizeram. Morei vinte anos lá, mas hoje virei uma paulista urbanóide. É engraçado de ver, porque eu era muito caiçara, vivia de pé no chão: praia e cachoeira era tudo. Muitas vezes me cobrei porque o certo era o querer estar na ilha pela qualidade de vida. Atualmente admito para mim mesma que não quero voltar para lá e tudo bem. Sou feliz aqui, workaholic assumida. Na ilha é outro ritmo. Quando vou para lá, no quinto dia eu já estou com um faniquito, procurando aquela loucura. Mas hoje tem uma questão muito forte que é a dos filhos. Eu mudaria para lá pelos meus filhos.
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Você já investigou essa sua obsessão por construir? Dá a impressão que você precisa estar fazendo muitas coisas ao mesmo tempo A minha mãe é hiperativa igual a mim e quando cai no marasmo ela inventa qualquer coisa. Existiu um momento em que eu fiquei louca com ela por causa disso, mas logo me imaginei na mesma situação. Eu sou igual a minha mãe. A hora que o negócio acalma e sobra tempo para ir no cabeleireiro, eu invento algum absurdo: ou eu faço um filho e paro de dormir à noite, ou eu abro um restaurante, ou eu troco todos os cardápios. Hoje sei que sou feliz só produzindo. Eu sou zero uma pessoa para baixo, mas quando a coisa fica morna, perde aquele ânimo. Eu preciso fazer quinhentas coisas ao mesmo tempo.
Me conte sobre seu império? Tem o Ema, sanduíche de frango, buffet. O que é que está lhe dando entusiasmo hoje? Estou no auge da emoção porque acabei de abrir o Miado, que é o nosso novo restaurante que tem uma pegada asiática, como o Marakuthai tinha, mas é um asiático Renata tempos de hoje. Além disso, tenho dois filhos pequenos, o que me fez sossegar um pouco também, porque eu não durmo. O Max tem seis meses. Estou aproveitando bastante. O sanduíche de frango eu servia no menu degustação do Ema. No começo os clientes pediam para trocar antes de comer porque não queriam comer sanduíche, com a mão, em um menu degustação. Tinha um preconceito bizarro. Só por isso eu insisti no prato, que ficou muito famoso. É o crazy crispy chicken.
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