O mundo corporativo quer as mulheres? E vice-versa?

por Redação

Psicóloga de formação e especialista em desenvolvimento humano, Flávia Camanho reflete sobre um novo mundo do trabalho que emerge no pós-pandemia

“Essa premissa de metas, de avaliação de desempenho vai criando um sentimento de exaustão que é contraproducente e incoerente com o momento que vivemos hoje. Ninguém quer mais fazer 60 anos rico e jogar golfe, as pessoas têm uma ótica de viver uma vida de qualidade e as empresas não estão proporcionando isso”, diz Flávia Camanho. Em um papo com Paulo Lima no Trip FM, a psicóloga de formação e especialista em desenvolvimento humano que coleciona credenciais de dar inveja a qualquer CEO refletiu sobre um novo mundo do trabalho que emerge no pós-pandemia, onde as empresas precisam valorizar o tempo de seus funcionários. “Há um desafio enorme de repensar o que é uma dinâmica saudável de atuação e principalmente de conexão com o ecossistema. Parte de uma sociedade com impacto nessa sociedade. Chamam isso de ESG [governança ambiental, social e corporativa], mas é apenas uma clareza de que não existe plano B.”

Flávia também é uma referência na discussão do papel das mulheres nas grandes corporações. "Na história das empresas familiares, os homens recebiam ações e as mulheres uma máquina de costura. E, quando chegavam no auge da carreira, a família chamava a mulher de volta", explica. "O caminho incentivado no empreendedorismo, até hoje, não é o primeiro para elas. O primeiro plano é a governança da própria família. Os negócios são sempre ofertados primeiro aos meninos.”

No papo, ela ainda falou das tensões entre gravidez e trabalho, respondeu se riqueza estraga as pessoas e contou por que a profissão de coach virou piada pública. Confira no play aqui da página ou no Spotify.

Trip. Depois de trabalhar muito com famílias donas de empresas, como você enxerga a forma como a sucessão é apresentada para os meninos e para as meninas herdeiras?

Flávia Camanho. Na história antiga das empresas familiares, os homens recebiam ações e as mulheres uma máquina de costura. Existia um conceito de que a mulher não é naturalmente uma sucessora. Isso gerou um caminho forte pelo empreendedorismo, ou seja, essas meninas sempre começam por um caminho externo ao negócio. Quando chegam no auge da carreira, a família chama de volta. Mas o caminho incentivado, até hoje, não é o primeiro para elas. Os negócios são sempre ofertados primeiro aos meninos.

Ainda é muito infantil a maneira como as corporações enxergam o papel feminino e masculino? Antigamente, para chegar chegar às cadeiras de poder, a mulher ia para um caminho masculinizado e masculinizante. Ela usava das habilidades ditas masculinas para se sentir legitimada naquela cadeira. Usar das habilidades femininas significava perder credibilidade. Hoje em dia, se um homem chora em uma reunião é lindo, sensível. Se uma mulher chora é porque não dá conta. Para ele, a skill feminino é um adicional. Mas isso tem sido questionado, o mundo está exigindo as características ditas femininas.

Visto os índices de estresse, o mundo do trabalho está doente? Essa premissa de metas, de avaliação de performance, vai criando um sentimento de exaustão que é contraproducente e incoerente com o momento que vivemos hoje. Ninguém quer mais fazer 60 anos rico e jogar golfe. As pessoas tem uma ótica de viver uma vida de qualidade, e as empresas não estão proporcionando isso. Há um desafio enorme de repensar o que é uma dinâmica saudável de atuação e, principalmente, de conexão com o ecossistema. Chamam isso de ESG, mas é apenas uma clareza de que não existe plano B. Somos do mesmo planeta e impactamos ele, então eu também tenho responsabilidade.

Gravidez no trabalho ainda é um tabu? As empresas ainda cobram esse pênalti das mulheres que querem engravidar. É uma dor presente na construção da carreira. Depois que você passa desse primeiro momento, você volta uma mulher muito mais potente, mais interessante, ponderada. Eu tenho certeza de que mulheres voltam da licença com muito mais qualidade, mas o dado que não é publicado em lugar nenhum é que 45% das mulheres são desligadas após a licença. Esse pênalti não é uma fantasia, ele é grande e ainda existe.

O que as grandes empresas precisam fazer para conseguir manter esse novo tipo de funcionário, que não vai aturar deixar a sua vida na empresa? Em um outro momento de vida, nós vivíamos o isolamento corporativo, eramos abduzidos pela corporação. Aquilo era valioso: contar que dormiu na empresa era muito legal. Hoje isso é divergente, as redes mostram um mundo de possibilidades, de ter uma vida equilibrada. As empresas estão tendo que humanizar o processo de gestão. A geração mais nova não está a fim nem de começar essa conversa sobre a modelagem antiga. E não é colocar mesa de pingue pongue e fliperama pra dizer que ali é mais equilibrado. É abrir mão de horário de trabalho para que o funcionário tenha outra composição de vida.

Riqueza estraga as pessoas? O exercício de criar uma criança na riqueza é fazer ela entender que vive numa bolha e que precisa de um esforço maior de compreensão de mundo. A riqueza faz você ficar ensimesmado. E nem sempre é culpa da pessoa.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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