Fábio Porchat e Crocas: por trás do Porta dos Fundos
O ator e fundador do Porta dos Fundos se junta a Christian Rôças, CEO da produtora, para falar sobre as polêmicas e o sucesso da empresa que se tornou uma potência do humor brasileiro
O que começou com um grupo de amigos querendo fazer humor na internet se transformou, oito anos depois, em uma produtora destacada e parte da Viacom, um dos mais importantes conglomerados de mídia do mundo. O Porta dos Fundos, além do canal no YouTube com mais de 16 milhões de inscritos, hoje produz programas para TV, como o Que História é essa Porchat?, da Globo, e o Greg News, da HBO, trabalha fazendo conteúdo para marcas e já fez filmes em parceria com a Netflix, como o especial de Natal A última tentação de Cristo, que no ano passado levou a sede da produtora a ser alvo de ataques com explosivos e chegou a ser censurado pela Justiça do Rio de Janeiro.
Para orquestrar as ideias e maluquices de seus criadores com os negócios de um empresa – que só em 2020 cresceu 65% e está expandindo internacionalmente –, é que Christian Rôças, o Crocas, se juntou ao Porta em 2019. No Trip FM, ele se junta ao ator e roteirista Fábio Porchat, um dos fundadores do grupo, para falar sobre os bastidores da empresa, as crises e o próximo especial de Natal, "Teocracia em Vertigem", que será lançado no dia 10 de dezembro: "Se jogaram bomba achando que iam nos calar, então é a hora de a gente pegar o dinheiro que a gente tem e investir em divulgação, para mostrar que não só a gente não vai se calar como a gente vai gritar o mais alto possível", afirma Fábio.
Trip. Crocas, você se tornou em dezembro do ano passado o CEO do Porta do Fundos. 2020 foi o seu primeiro ano nessa posição e logo em março entramos nesta pandemia que impactou o mundo todo. Me conta um pouco qual é o seu papel dentro do Porta e como foi esse primeiro ano de atuação numa conjuntura tão atípica e imprevista.
Crocas. Estou comemorando um ano exato no Porta. Já passei por outros ângulos da comunicação e faltava um deles que era a posição do publisher, do creator, como está sendo chamado no mercado. Eu queria conhecer esse ângulo de comunicação para poder me sentir mais completo profissionalmente, que é um cuidado que eu tenho com a minha carreira, de pensar nela, cuidar dela. É algo que faz parte de mim e eu gosto muito do que eu faço. Quando eu cheguei no Porta eu peguei um lugar onde tem muita gente talentosa, que amam o que elas fazem, amam a empresa muito fortemente, e, ao mesmo tempo, sabem que a empresa está num crescimento absurdo. É muito grande o crescimento dentro e fora do Brasil, e precisa ser organizado, ter mais processo. O meu trabalho aqui é liberar o caminho para que as pessoas possam brilhar. Acho que quanto menos eu apareço, melhor, porque significa que alguém que está desempenhando seu trabalho está conseguindo fazê-lo bem feito, está conseguindo brilhar. Quando aconteceram os episódios da bomba e da censura eu tinha 18 dias aqui, um pouco menos. E eu me lembro de ter pensado: "Qual seria o lugar em que eu teria oportunidade de experimentar liderar uma empresa que passou por um ataque terrorista?". E depois dessa pergunta eu pensei: "Como eu gostaria que me liderassem nesse momento? O que eu gostaria que fizessem comigo se eu estivesse numa posição de aguardar que alguém resolva algo pela minha vida?". Porque têm os empregados, têm as suas famílias, têm os seus empregos. Então como a gente mantém essa empresa viva, mais viva do que nunca? E foi isso o que aconteceu. Acho que as pessoas se agarraram ao ocorrido e ficaram com vontade de fazer o negócio virar mais ainda. É um trabalho diário, não é fácil motivar as pessoas. Se eu quisesse contratar alguém pelo lado ruim delas eu iria no psicólogo. A gente contrata as pessoas pelo lado bom delas, pelo que ela tem de melhor a oferecer, é onde eu prefiro focar.
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O Porta surgiu como uma reunião de amigos – Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Ian SBF, João Vicente de Castro e Antônio Tabet – fazendo humor na internet. De lá pra cá, o Porta cresceu e se tornou e parte da Viacom, um dos mais importantes conglomerados de mídia do mundo. Como é conciliar essa dinâmica mais solta, criativa, do começo do grupo, com a estrutura empresarial mais rígida?
Crocas. É um desafio, realmente. O que eu tento fazer é com que eles não se preocupem com a parte administrativa, burocrática, ou se preocupem o menos possível, para fazer o que eles têm que fazer de melhor, que é o criativo, rodar perfeitamente. Tem rituais que tem que seguir. Não digo nem rotina, porque eu acho que a rotina é o primeiro tiro que a gente dá no pé de um criativo. Eu também sou criativo e sei bem disso. O ritual faz com que você agregue a equipe, junte as pessoas, que elas também se divirtam. Um dos rituais muito importantes que acontecem são as reuniões de roteiro às sextas-feiras. Toda sexta-feira, religiosamente, a gente se encontra com todos os sócios-fundadores, mais os roteiristas, algumas pessoas da produção e da direção, e a gente aprova os roteiros. É o momento que tem o lado chato – quando você entrega um roteiro que não rolou, não pegou –, mas é um MBA o que acontece toda sexta. E tem a parte engraçada, porque tem uns roteiros hilários que fazem a gente morrer de rir. Existe um balanço natural que o próprio ritmo da companhia impõe. Tem momentos que são muito sérios e que a gente tem que lidar com uma empresa dentro da seriedade que ela exige, e tem muitos outros momentos que são muito divertidos e que a gente consegue passar por essas situações de um jeito melhor. A agenda deles é uma loucura, de todos eles. Eu digo para o Fábio Porchat, por exemplo, que eu não consigo dar conta nem de metade do dia dele. É impressionante a quantidade de coisas que todos eles fazem o tempo inteiro. E sempre com o mesmo empenho, sempre com a mesma intensidade, para que seja muito bem feito, para que tenha qualidade. Então o meu melhor trabalho é tirá-los da burocracia o máximo que eu consigo, fazer com que as pessoas que precisam cuidar das burocracias cuidem cada vez melhor, para que eles fiquem soltos para criar.
Você libera os criativos para serem criativos e assume a parte burocrática. Isso não te deixa um pouco frustrado?
Crocas. Eu acho que existe uma tendência de as pessoas acharem que alguém criativo não gosta de business, de falar de processos para organizar as coisas. E eu sou contrário, eu gosto das duas coisas. A criatividade é percebida não como um talento seu, mas faz parte da sua função. Eu acho que como CEO, como financeiro, como advogado, todo mundo teria que ser criativo. As pessoas que são criativas em qualquer área sem ser só a da criatividade vão se destacar mais. Eu consigo sentar para criar, para ter ideia, e ao mesmo tempo pensar em como fazer aquilo acontecer. Senão muitas vezes fica no campo só da ideia, e eu gosto das coisas feitas.
Me conta um pouco da tua trajetória, de onde você veio, a sua formação.
Crocas. Eu sou jornalista, me formei na UFRJ. Bem no comecinho, quando a internet estava virando comercial no Brasil, em 95, 96, eu estava cursando jornalismo e dei a sorte de ter um tio professor universitário, cientista de redes neurais, neurônios artificiais. Então eu convivi, nas visitas à casa dele, com uns computadores gigantes, com fita ainda. Peguei os primeiros computadores chegando no Brasil na época que só mesmo a universidade tinha computador. E aquilo me encantou desde o começo. Quando eu comecei a estudar, um dos meus primeiros estágios foi numa revista que chamava Internet.br. Não existia nem um buscador ainda, não tinha Google, o Cadê surgiu depois disso. O meu trabalho era navegar e escrever dicas de sites para as pessoas navegarem. Eu fazia isso para a revista e, como eram muito poucos os jornalistas que trabalhavam nessa área, antes de me formar fui trabalhar em São Paulo. Passei por outras redações, como a da Computerworld, sempre na área de como a tecnologia interfere na vida e no comportamento humano e vice-versa. E aí eu dei uma sorte – ou merecimento, enfim, cada um pensa do jeito que quiser –, de ser indicado para trabalhar com o Gilberto Gil. O Gil era ministro da Cultura na época, em 2007, e ele queria discutir direitos autorais, visto que o artista estava virando veículo, produzindo o seu próprio conteúdo sem intermediários. E foi um trabalho que me proporcionou muitas coisas. Eu digo que Flora Gil e Gilberto Gil são meus padrinhos profissionais. Sou muito grato à família, viajei mais de dois anos com eles em países que eu nunca imaginei que fosse conhecer, justamente produzindo conteúdo. Eu produzia tudo com um celular, para mostrar que o conteúdo poderia ser feito democraticamente por qualquer pessoa. E aí acabou que eu montei uma empresa. Eu não esperava fazer isso. Os meus amigos publicitários diziam que tinha que ser curto o nome, mas como a empresa era não-convencional eu falei: "Beleza, vou colocar bem curtinho: Gruda em mim que o boi não te lambe". Era um nome enorme e aquilo de novo movimentou, as pessoas ficaram curiosas sobre o assunto. Quando eu vi eu estava trabalhando com Marisa Monte, Capital Inicial, Nando Reis, Bebel Gilberto, César Menotti e Fabiano, Rock in Rio, Juliana Paes, um monte de talentos. A empresa cresceu muito e acabou sendo comprada pelo Grupo Artplan, que é dono do Rock in Rio. Eu ajudei eles a implementarem o digital de multiplataformas dentro da Artplan. O Instagram estava chegando no Brasil e, em outubro de 2013, me fizeram uma proposta para trabalhar montando uma unidade nova na América Latina, que chamava media partnerships. Era para lidar com os criadores e com os veículos de mídia, atletas, eventos. Eu fiquei lá por 6 anos. Mudei de área internamente, fui para o creative shop, onde lançaram a primeira novela no celular feita para a vertical, a gente fez o primeiro vídeo em 360° da América Latina com a Ivete Sangalo. E ali eu senti que, dentro desse meu movimento de aprender outras áreas, eu precisava ver o que era viver na artéria do creator com o qual eu lidava tanto dentro do Instagram e do Facebook. Surgiu a proposta no Porta dos Fundos para imaginar formatos, reimaginar a marca, fazer a marca crescer mais. Eu não digo reinventar porque não precisa nada ser reinventado, a empresa tá ótima. Ela precisa ser reimaginada: o que mais dá para fazer para expandir esse universo desse lugar incrível?
É quase um paradoxo o quanto vocês estão crescendo como empresa – a associação com a Viacom, produzindo para HBO, Globo e distribuidores digitais – enquanto as organizações mais convencionais estão enfrentando um período difícil. Qual tem sido a ferramenta mais importante para conseguir ter esse crescimento exponencial numa conjuntura de crise que tem abalado outras empresas do setor?
Fábio Porchat. Eu acho que é uma somatória: a gente está no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas. O material humano do Porta dos Fundos ainda tem um frescor, uma luta pelo novo, pelo diferente, pelo ousado. E tem uma ousadia difícil de manter quando você vira establishment. Eu estava assistindo novamente vídeos do do primeiro mês de existência do Porta dos Fundos e falei: "A gente era muito doido mesmo!". A gente era maluco. Tem coisas muito legais, muito boas, e tem um desprendimento e um 'foda-se' implícito ali na gente muito bom, gostoso de ver. Olhando, eu penso: "Realmente, é por isso que chamou atenção". Tem uma doideira fresca, nova, maluca, que é muito muito positiva. Oito anos depois o Porta já se estabeleceu, já entrou para a cultura popular, não é novidade para ninguém, os atores que estão lá já são conhecidos. Diferente de 2012, quando a gente começou, é mais difícil ser ousado. O Porta tem mais telhado de vidro, tem mais olhar para ele, os tempos mudaram. Mas eu acho que o fato de a gente ter começado lá em 2012, antes dos períodos de cancelamento, nos permitiu fazer um monte de coisas que talvez a gente não fizesse hoje. Sobre o fato de a gente estar estabelecido num momento como esse, está todo mundo indo para o digital e a gente já está sólido no digital há oito anos, isso é ótimo. A gente está colhendo esse plantio de 2012, que sem querer querendo a gente mirou no que viu e acertou no que viu e no que não viu também. E esse material humano, que é esse criativo do Porta dos Fundos e que a gente luta muito para cada vez trazer mais roteiristas, mais atores, localizar nomes e talentos, faz com que o Porta esteja sempre dando um refresh. Por um lado, a gente pode falar: "Poxa, saiu gente muito boa e muito importante". Tipo Luís Lobianco, Clarice Falcão, Júlia Rabello. Mas ao mesmo tempo entrou gente muito boa! Entrou o Rafael Portugal, a Evelyn Castro, a Tathi Lopes! Então assim, essa reciclagem do Porta dos Fundos funciona muito porque tem novidade a todo momento, e a gente prima por gente engraçada, gente boa, gente que tenha também um frescor. O que poderia ser uma coisa do tipo "a gente quer aquelas caras conhecidas do passado", uma coisa meio televisiva de ser, na internet a gente se renova. E tem um compromisso com o que nós achamos que é qualidade. "A gente acha isso engraçado? A gente acha isso bom? A gente acha que isso é um material bom de colocar no ar?". Se acha, a gente põe. O Porta tem essa essência. A gente toda semana faz reunião de roteiro: eu, o Greg, o João e o Kibe, agora de nossas casas, mas com todos os roteiristas, e aprova todos os textos. Os textos vão para a produção e depois eles voltam para as nossas mãos. A gente vê o vídeo, não gostou, joga fora. Embora tenha virado já uma indústria, porque cresceu muito – e ainda bem que cresceu –, a gente tenta com todas as forças segurar o artesanal. Se o conteúdo não está bom, não lança. "Ih, mas vai perder dinheiro". Não importa. A gente tem um compromisso com o nosso conteúdo.
Isso explica muito do que move vocês, mas no campo dos negócios não deve ser fácil. Queria ouvir a sua visão, Crocas.
Crocas. Esse ano, mesmo com a pandemia, com a bomba do especial de Natal, com tudo o que teve, a gente vai crescer 65%. É um crescimento muito forte. Ele acontece muito por uma resiliência da equipe. É incrível ver o que ela entrega. Tem hora que é inacreditável ver a qualidade do capital humano do lugar. Mas eu argumento bastante, às vezes eu falo: "Fábio, posso te ligar?", "Olha, pensa nisso, tem aquilo..."
Fábio. O Crocas é o esquadrão anti-sequestro. Sabe aquele cara que negocia, que vai sem colete à prova de balas e entra na parada, o Marcelo Freixo com a CPI das Milícias? É isso, ele negocia com todos os lados, negocia com o pessoal do dinheiro, negocia com os sócios, e fala: "Jamais faremos isso''. Ele fica nesse lobby, é o nosso lobista. É um sonho, porque agora a gente pode só ter ideia. Eu não quero ficar discutindo para saber se a gente tem que vender para a Polônia, eu quero que se dane, quero escrever meu roteiro. E o Crocas agiliza muito a vida nesse sentido, ele vai fazendo acontecer.
Recentemente um vídeo do Porta gerou polêmica. Nele, a personagem é uma vereadora do partido Novo que teria sido a mais votada de Curitiba, e esse desempenho nas urnas está relacionado à sua vida sexual. A verdadeira vereadora mais eleita de Curitiba, Indiara Barbosa, se sentiu atacada, e muita gente na internet criticou o grupo pelo machismo da esquete. A atitude de vocês foi tirar o vídeo do ar e se desculpar. Como é que se dá a gestão de uma situação desse tipo?
Fábio. A gente tem que ficar 24 horas atento e olhando nas redes tudo o que está acontecendo. Tudo pode gerar alguma questão a qualquer momento. Nunca imaginamos que o Jesus gay do especial de Natal pudesse gerar o que gerou. Até de lugares que a gente menos imagina pode surgir alguma coisa. O humor é para fazer rir, é para ser engraçado, e tudo pode desviar da piada, qualquer detalhezinho pode fazer com que a linha reta para o humor transforme a piada numa outra coisa que não é o que a gente queria originalmente. Nesse caso do vídeo da vereadora, foi uma coincidência, porque esse personagem que o Joel faz tem 11 anos. Não tinha nada a ver com a candidata a vereadora que ganhou em Curitiba. Era uma brincadeira para sacanear o Partido Novo. Só que, por acaso, a vereadora mais votada em Curitiba era do Novo, e aí pareceu que aquele personagem era uma caricatura dela, e é zero isso. Era uma brincadeira com uma mulher que é uma personagem sem noção, que pula a janela para fumar, que estava indo nessa trilha, mas, por um infeliz coincidência – e a gente bobeou, lógico –, a trilha foi para o outro lado. Como se a nossa esquete fosse sobre uma mulher da qual a gente nem sabia. E o Porta levanta a bandeira de mais mulheres na política, lógico. Só que é isso, na comédia uma vírgula pode transformar piada. E foi o que aconteceu. Esse fato, do qual a gente ignorantemente não se atentou, desviou a piada. E aí a piada perde. Perdeu a graça, tira do ar e reconfigura isso.
Crocas. Eu gosto de crise. Acho que o momento da crise é a hora de você botar a bola no chão, sem emoção, ou com menos emoção possível, e identificar: o que está sendo apontado faz sentido? A gente tem a oportunidade de melhorar dentro disso? Se tiver, tem que vestir a carapuça mesmo e dizer: "Estamos errados. Obrigado por avisar e vamos melhorar". Eu acho que quando a gente mete a cabeça no buraco que nem avestruz é o pior caminho, porque você está ouvindo ali um feedback para você melhorar e está fingindo que não acontece. Quando começam a acontecer situações assim eu fico acompanhando muito de perto e tento acomodar. O Fábio falou que eu sou um lobista. Na verdade eu acho que eu consigo, com algum tipo de gentileza, dizer: "Eu já entendi esse ponto, mas tem esse outro aqui, você já prestou atenção nele?". Por mais chato que seja, é uma função que alguém tem que fazer. Conforme isso é conversado, trabalhado, exercitado, a gente tem a opção de melhorar. Eu posso escolher melhorar e piorar, prefiro melhorar.
O especial de Natal do Porta dos Fundos já virou tradição no grupo, sendo produzido desde 2013. Na semana que vem será lançado o deste ano. Conta um pouco como vai ser esse especial.
Fábio. Chama-se Teocracia em Vertigem e vai ser lançado no nosso canal do YouTube. É um documentário sobre o golpe que levou à crucificação de Jesus Cristo. São 25 depoimentos fazendo um paralelo muito próximo e real com a nossa política, com o que tem acontecido de 2013 pra cá, com referências explícitas e claras. Foi uma ideia brilhante do Gabriel Esteves, nosso redator. A gente ficou pensando: "Como é que vamos gravar na pandemia? Não pode nem contracenar". E ele falou: "Por que não fazer um documentário? O ator vai estar sozinho, vai dar o depoimento para a câmera". Ele mesmo falou Teocracia em Vertigem, e eu achei brilhante, peguei essa ideia e escrevi o roteiro, como sempre faço. Todos os especiais de Natal eu sempre escrevi, alguns sozinho como esse, alguns em parceria. Eu quero ver todo mundo assistindo e identificando quem são as referências, do que a gente está falando, é quase um jogo dos mil erros. Tem os bolsominions falando ali, tem os terraplanistas falando: "É isso mesmo, se Jesus voltar eu mato ele de novo". O cidadão de bem vai estar muito representado, e a gente tem os depoimentos de gente próxima, de apóstolos, da mãe, de Madalena, dando um olhar olhar de dentro, de quem era realmente Jesus. E então culmina no depoimento final de Jesus, que inclusive é este que vos fala, e Jesus prefere não falar porque ele já falou e não deu certo, e escrever não surtiu efeito. Jesus prefere cantar e a gente termina o nosso especial, para já dar um spoilerzinho, com o maior clipe de rap que você vai ver na sua vida.
Crocas. O convite é para que não assistam, a gente acha que não devem assistir.
Fábio. Essa é a primeira vez que o Porta dos Fundos divulga o especial de Natal. A gente tem aviõezinhos na praia com um cartaz sendo puxado "Jesus está voltando". Temos outdoors em Atibaia na frente de casas de advogados. Nós temos anúncios na TV, anúncios no jornal. Se jogaram bomba achando que iam nos calar, então é a hora de a gente pegar o dinheiro que tem e investir em divulgação, para mostrar que não só a gente não vai se calar como a gente vai gritar o mais alto possível.
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Esse especial deve ser uma coisa relativamente cara em termos de produção, envolve um elenco grande. Pela visão dos negócios, é algo que gera um retorno ou tem mais a ver com fixar o discurso da marca? O que pesa mais na hora de decidir por fazer uma produção cara para o YouTube?
Crocas. O especial do Porta virou o Super Bowl brasileiro, as pessoas o estão esperando cada vez mais. A analogia é que quanto mais forte a marca do Porta estiver, melhor o resultado. Então é um projeto que a gente acredita e se provou que quanto mais ele for incrível, quanto mais a gente se dedicar a ele e for muito autêntico no que a gente acredita, melhor ressoa na nossa marca e ao longo do ano a gente vai colhendo os frutos. Apesar de parecer que vai mais para o lado negativo, muito pelo contrário. Como falei, a nossa empresa cresceu 65% esse ano. É um projeto de marca que mostra cada vez mais que o Porta dos Fundos é o Brasil que deu certo, que está exportando conteúdo, que mostra a sua diversidade e a sua inovação, o seu frescor, a sua não-caretice, o não-arcaico, não-atrasado. A intenção do especial de Natal é justamente essa: reforçar a nossa marca, o DNA do Porta. Não tem mais Natal no Brasil sem ter um especial do Porta dos Fundos. Isso vai ficar cada vez mais presente. E, de novo, não assistam. Todo mundo tem um direito democrático de não assistir. Não quer ver, não veja.
Para fechar, o que vocês gostariam de perguntar um para o outro que ainda não tiveram a oportunidade?
Fábio. Eu queria saber do Crocas qual era o maior medo dele, olhando de fora, antes de estar dentro do Porta, de dar errado quando ele se juntasse a nós?
Crocas. O maior medo era que vocês não se dessem bem. Eu acho que esse é o pior dos cenários.
Fábio. Que fosse tudo fachada?
Crocas. Que fosse uma fachada, que na verdade vocês não fossem amigos e que as pessoas da empresa não não tivessem bem umas com as outras. Trabalhar num lugar criativo quando você não admira o outro é muito preocupante.
Fábio. E quando você descobriu que isso era verdade? (risos)
Crocas. Eu acho que vocês são amigos-irmãos. Irmão é aquele com quem se pode brigar e depois já está amigo de novo. Isso faz uma diferença em manter uma qualidade alta. Quando você não se importa em dar a sua real verdade sobre alguma opinião, aí é um problema, porque você virou fake, virou uma falsiane na história. E você, Fábio, quando você viu que eu ia entrar, qual era seu principal medo?
Fábio. Ah, com qualquer um que fosse entrar o nosso maior medo era de que a pessoa quisesse de alguma forma se envolver muito no criativo, se apegasse muito a isso. A gente sabia que esse não era nosso problema, não era o criativo que a gente estava precisando. Se uma pessoa entrasse querendo dar ideia, querendo entrar no mundo ali, poderia causar uma certa estranheza. E também lidar com a equipe, com as pessoas, ao chegar de fora e já encontrar uma empresa funcionando. O nosso medo era: "Como esse cara vai lidar com todo mundo, potencializar o que a gente quer e entender a nossa maluquice?". Porque somos cinco artistas, bem diferentes um do outro, era muito importante que ele entendesse a cabeça dos cinco. O que esses cinco "irmãos'' fazem, acham, acreditam e discordam um do outro. Como lidar com esses cinco que são cada um de um jeito. Tem que saber lidar, tem um jeitinho para cada um. Mãe não é aquela que fala: "Eu criei meus filhos igual". Isso é péssimo, porque eles não são iguais, não adianta criar igual. O negócio é quando fala "eu criei um diferente outro", porque um gosta de sair para a piscina, o outro não gosta, outro gosta de subir no teto, outro gosta de ficar quieto. Era um pouco isso, de conseguir lidar com a gente e entender a cabeça de cada um.
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