Quatro mulheres longe do padrão da moda encaram uma prova de triathlon na Amazônia
Prazer, para estas quatro mulheres, é movimento. Todos os dias, elas treinam para suar, relaxar e conquistar corpos fortes e musculosos, longe do padrão magro da moda. Com esses corpos, elas encararam uma prova de triathlon no meio da floresta amazônica
O Quadrado Maldito não está no Google Maps. Mesmo assim, três horas antes da alvorada, cinco ônibus cortam as ruas de Manaus com destino à região. É lá, no meio da floresta amazônica, que fica a reserva do Cigs (Centro de Treinamento de Guerra na Selva), do exército brasileiro. Nas trilhas de mata nativa, 200 atletas, entre eles dez mulheres, vão nadar 1,5 quilômetro num rio com piranhas anfitriãs, pedalar 30 quilômetros em plena selva e correr 9 quilômetros. Tudo isso por causa do X-Terra, um campeonato de triathlon que aconteceu em junho.
Depois de enfrentar quase duas horas de ônibus, estão no barco que escorrega pelo rio Negro as paulistanas Sabrina Koester, Carla Prada e Cristina de Carvalho e a mineira Isabella Ribeiro. Os braços, as costas e as pernas torneados são o indício de que o esporte faz parte do cotidiano dessas mulheres. Os corpos não seguem o padrão magro e cheio de curvas, são mais atléticos e funcionais para o esporte que praticam.
Sabrina, 32, é bióloga e entrou para o triathlon com uma bicicleta emprestada por Carla Prada. Carla, 39, começou a treinar profissionalmente só depois do nascimento dos dois filhos. Foi três vezes campeã do X-Terra. Cristina de Carvalho, 41, já foi campeã mundial de triathlon e hoje tem uma empresa de assessoria esportiva. A mineira Isabella Ribeiro, 30, treina como hobby, é ortodontista e faz parte de um grupo de esporte de aventura. Tpm esteve no X-Terra Amazônia e acompanhou as quatro na maior floresta virgem do mundo.
A EMPRESÁRIA
Depois de quatro horas de competição, cheia de lama e com o cabelo molhado, Cris de Carvalho cruza a faixa de chegada do X-Terra, em terceiro lugar. “Na mata eu pensava: ‘Por que não estou em Camburi [litoral de São Paulo]?’. Meu marido falou que tinha altas ondas!”, ela diz. Aos 41 anos, uma semana antes ela participou do seu décimo IronMan, no Havaí. Foram 225,9 quilômetros percorridos na maior prova de triathlon do mundo. O corpo estava cansado. Mesmo assim, ela deixou o filho de 4 anos com o pai e enfrentou a floresta amazônica. “Estou entrando nos 42 anos, você perde um pouco de condição física. Mas sou mais sábia na estratégia, em lidar com a força. Os velhinhos são mais fracos porque não precisam ser tão fortes para vencer os obstáculos”, diz. Cris foi atleta profissional de triathlon por dez anos e campeã mundial em sua categoria. Hoje, além de participar de corridas de aventura e ultramaratonas, ela toca o Projeto Mulher, uma assessoria esportiva com treinos ao ar livre só para mulheres no parque do Ibirapuera, SP. Minutos antes da competição, ela olha para seu corpo forte e confessa: “Quando falam que estou forte demais, me acho gorda. Hoje trabalho para não exagerar na musculação. Acho bonito um corpo magro, porém definido, saudável”, finaliza.
A DENTISTA
A bicicleta que mais chamou a atenção no X-Terra Amazônia foi a da mineira Isabella Ribeiro. O sorriso também arrancou olhares da ala masculina. Isabella Ribeiro é ortodontista, o sorriso largo e bem cuidado é seu cartão de visita. Já a bike amarela, uma Specialized, foi um achado em Belo Horizonte, MG, sua cidade. “O dono da loja comprou no exterior para a esposa, e ela nunca usou. É uma bike diferentona”, diz. Para ela, o corpo bem definido é uma marca do modo como leva a vida.“O corpo sempre mostra um pouco da pessoa, consequência do seu estilo de vida. Não acho legal ser seca nem magra demais”, diz. O esporte na vida de Isabella é pretexto para o contato com a natureza, que ela adora. Faz parte de um time de corrida de aventura, o Trotamundo, treina quando dá – cerca de três vezes por semana – e não deixa de sair à noite ou de comer o que tem vontade. “Almoço, janto, não como nada light ou diet. Gosto de comida, arroz e feijão. Só quando tenho competição tento comer mais carboidrato dois dias antes”, diz. A mineira chegou em sexto lugar. “Fiquei muito tempo correndo sozinha dentro da mata, sem ninguém por perto. Dava um frio na barriga, mas foi emocionante pensar que eu estava na floresta amazônica”, lembra.
A BIÓLOGA
Sabrina Koester começou no triathlon com uma bike emprestada. Estava morando em Ilhabela, SP, por causa dos estudos de mestrado e conheceu Carla Prada numa academia de ginástica. A nova amiga a convidou para participar de uma edição do X-Terra em Angra dos Reis, RJ. Ela emprestou a bike e Sabrina treinou por um mês. Na época, 2007, a paulistana subiu no pódio emocionada, ficou em segundo lugar, logo atrás de Carla. Aos 32 anos, Sabrina tem uma rotina regradíssima. Acorda às seis da manhã e só vai dormir perto da meia-noite. Seis vezes por semana faz dois treinos de modalidades diferentes por dia, enquanto intercala com sua tese de doutorado, na USP. Os treinos resultam no corpo que ela se orgulha de carregar: “Antes de competir era mais magra, fazia musculação para moldar o corpo. Apesar de às vezes achar meu braço um pouco grande, se estou forte e definida é porque tenho uma performance boa, resultado do treinamento”, diz. Ela participa de pelo menos uma prova por mês, entre corridas de aventura, montanha e triathlon. Apesar de já ter conquistado bons resultados, não ganha dinheiro com o esporte. “É como se os prêmios pagassem o custo da competição”, diz. No X-Terra Amazônia, ela chegou em quarto lugar, atrás de Cristina de Carvalho, que é também sua treinadora.
A PROFESSORA
Carla Prada estava se arrastando no asfalto. Sol escaldante, quatro horas de prova, o corpo pedindo socorro. No fim de um triathlon em Pirassununga, SP, perto da linha de chegada, ela passou pela filha. “Vai, mãe!”, gritou a menina de 9 anos. Carla chorou de felicidade e conseguiu completar a prova. Foi só depois de os filhos nascerem que a paulistana entrou para o esporte profissional. Depois da gravidez passou a ter uma preocupação maior com o corpo.“Gosto mais do meu corpo agora do que quando tinha 20 anos. Acho mais atraente uma forma atlética e saudável do que um corpo magro e sem tonicidade. Quando voltei a treinar foi como correr atrás do prejuízo”, lembra. Antes disso, dava aulas em academias de ginástica de São Paulo. Em uma delas conheceu o marido, Bruno Prada, velejador e medalhista olímpico. Aos 39 anos, intercala o treino diário com a rotina dos filhos e as aulas que dá no clube Paulistano, em São Paulo. Treina seis vezes por semana, duas vezes ao dia. Dois meses por ano passa os dias em Ilhabela, SP. Foi lá que, certa vez, roubaram sua bike na garagem de casa. Ela falou com os moradores, descobriu quem roubou e recomprou a bicicleta por R$ 500. Ela valia R$ 12 mil. No X-terra, Carla chegou em segundo lugar, logo depois da americana Jennifer Smith. “Viu como você estava bem? Sabia que ia conseguir!”, recebe um abraço da amiga Sabrina, que chegou uma hora depois.