Projeto avalia as associações inconscientes positivas e negativas que fazemos sobre homem, mulher, negro e branco
Na era do politicamente correto, é tão difícil assumirmos os nossos preconceitos - sejam eles de cor, sexo, com gente gorda, e por aí vai - que eles ficam muito bem negados e escondidos lá no fundo (nem sempre tão fundo) da nossa consciência. No entanto, para evitarmos os preconceitos é fundamental primeiramente assumirmos que eles existem. Mas como?
Lendo um artigo recente sobre preconceito contra mulheres em ciência (sim, em geral ganhamos menos, estamos em posições mais baixas na academia e na indústria, somos poucas em conselhos de empresas de tecnologia, e recebemos menos verbas para pesquisa), descobri um site muito interessante associado à Universidade de Harvard que avalia as nossas "associações implícitas" (em português claro: nossos preconceitos): o Projeto Implícito. Através de perguntas e atividades indiretas, o programa avalia os pensamentos e sentimentos em relação a diferentes características/situações - entre elas cor, sexo, obesidade e doenças mentais, que existem fora do controle do nosso consciente.
Me submeti ao teste que avalia como me sinto em relação a homens, mulheres, brancos e negros. Às tantas, eram apresentadas imagens de homens/mulheres das duas cores, e ao mesmo tempo palavras negativas e positivas, e eu tinha que apertar um botão ou outro do teclado de acordo com as diferentes combinações. Imaginei que estavam medindo quanto tempo eu levava para apertar o botão certo quando aparecia, por exemplo, homem branco + palavra positiva; ou homem negro + palavra positiva; ou homem negro + palavra negativa; e as outras combinações. Me lembrei dos meus tempos de graduação, na PUC do Rio de Janeiro...
Na época eu cursava Engenharia, e fui pega no corredor por uns alunos da Psicologia para participar de uma pesquisa. Para isso eu tinha só que olhar por um visor, e assim que aparecesse uma palavra, reproduzi-la alto e o mais rápido possível, enquanto alguém cronometrava o tempo entre a palavra aparecer e eu verbaliza-la. Ótimo, pode começar.
[Barco], e eu rapidíssimo "barco!", e o cara do cronômetro "0,3 segundos"; [avião], e eu tentando melhorar minha marca "avião!", tempo: "0,25 segundo"; depois de umas cinco palavras banais, surge no visor [merda]. Tomo um susto, mas eventualmente falo, um pouco mais baixo, "merda...", e o tempo reflete meu constrangimento "1,1 segundo". Segue uma série de outras três palavras tranquilas, quando de repente surge [fudeu], e eu hesitante falo "fudeu", e o tempo sobe de novo "1,2 segundo" – e percebo que o cara do cronômetro está se divertindo...
A essas alturas eu já tinha sacado tudo: eles queriam avaliar a dificuldade que temos com palavras "tabu", e a melhor evidência era o maior tempo que eu levava para verbaliza-las. Ah é? Pois vou avacalhar com os dados deles, vou caprichar para falar os palavrões o mais rápido possível, pensei eu. [casa], "casa!", "0,2 segundo"; [caralho], "caralho!" quase gritei imediatamente! "0,9 segundo". Não adiantou nada o meu esforço: os anos de doutrina sobre não falar palavrões eram mais forte do que o meu consciente competitivo, e acho que os psicólogos conseguiram provar a sua hipótese!
Os testes do Projeto Implícito são parecidos: eles avaliam as associações inconscientes positivas e negativas que fazemos sobre álcool, comida, auto-estima, doenças mentais, e o que eu fiz, sobre homem/mulher/negro/branco. O resultado me surpreendeu! E você, vai encarar?!
Cuidado: você pode descobrir que não é tão politicamente correto quanto imaginava! Tudo bem, somos todos humanos (demasiadamente humanos). E se isso acontecer, aproveite para se perguntar porquê, e assim evoluir.
*Lygia da Veiga Pereira trocou Ipanema pela Universidade de São Paulo. É professora Titular de Genética Humana e chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da USP e referência nacional em pesquisas com células tronco. Escreve às quintas na Tpm e também nohttp://leiaasmeninas.com.br/