Trip para mulheres

por Manoela D'Almeida
Tpm #91

Um iate, dez dias, mar perfeito: 11 garotas surfistas invadem um arquipélago ao sul da Índia

Nesses anos de dedicação ao surf, sempre invejei uma coisa nos homens: eles compartilham viagens iradas mundo afora. Até que, mês passado, tive a chance não só de acompanhar uma surf trip de mulheres, mas também um encontro histórico do surf feminino. Onze atletas dos mais diferentes níveis e idades se uniram para passar dez dias em alto-mar em busca de ondas e diversão, no arquipélago das Maldivas. Um paraíso no oceano Índico, ao sul da Índia, próximo à linha do equador. Resumindo, um lugar de água quente e cristalina, fundo de coral e ondas perfeitas.

A simples ligação de uma amiga – surfista e fotógrafa – deixou minha vida de cabeça para o ar. Ela não poderia fazer a viagem e estava me oferecendo seu lugar na barca. Não sosseguei até garantir meu posto. Tive dez dias para organizar uma viagem que facilmente elegeria como um projeto de vida.

O encontro oficial da mulherada foi em Dubai, pois algumas surfistas profissionais, como Suelen Naraísa, Chantalla Furlanetto, Bruninha Schmitz, Cláudia Gonçalves e a portuguesa Francisca Pereira vinham da África, onde competiam pelo WQS (divisão de acesso ao mundial de surf). Foi lá, no superaeroporto de Dubai, que encontrei as meninas e também Brigitte Mayer, idealizadora do projeto Expedição Maldivas. Brigitte, campeã brasileira em 1998, é uma das maiores incentivadoras do surf feminino brasileiro. Além de competir, ela mantém a paixão pelo esporte por meio da revista virtual Ehlas. Tem 41 anos e uma energia de causar inveja.

Aos poucos fomos nos conhecendo e não víamos a hora em que o avião pousasse na singela ilha-aeroporto de Male, capital do arquipélago. Depois de passar pela imigração e ver as atendentes cobertas de preto da cabeça aos pés, me dei conta de que estava num lugar muito diferente, imersa numa cultura intolerante a coisas usuais no Brasil. Transportar bebidas alcóolicas, por exemplo, é crime e a punição, severa.

Quem nos aguardava ansioso no aeroporto era o “surf guide” Iboo, um nativo que entende tudo das ondas nas Maldivas. Iboo não imaginava o tsunami feminino que estava para invadir as ilhas. O barco de apoio nos levou até o grande Horizon III. Parecia um sonho. Um iate de quatro andares, com a infraestrutura de chefs de cozinha, sauna, Jacuzzi e massagista. Os gentis nativos nos esperavam com água de coco enquanto a mulherada se beliscava para acreditar no que via.

Dividimos os quartos e caí com Suelen Naraísa, atleta de Ubatuba, litoral norte paulista. Ela foi uma doce roommate, aguentou a minha bagunça e a correria para registrar tudo que elas aprontavam. Sempre apta para surfar, foi uma das primeiras a pôr o biquíni e ir para a água. Eu, ansiosa para fotografar, senti o peso do jet lag, do fuso e da ansiedade pela viagem… Passei muito mal nas primeiras horas. Mas não me entreguei. Já na primeira noite, escalamos a tripulação, botamos o “Are Baba” na caixa e dançamos até o chão. A Índia fica próxima das Maldivas e eles adoram as dancinhas que a novela das oito vive mostrando.

Surf no pé
Às cinco e meia da manhã despertávamos com as badaladas do sino do barco. O ritual se repetiu todos os dias. Quando ele soava, era hora de acordar para surfar ou para comer! A mulherada corria para colocar biquíni, protetor e já seguia para o barco de apoio para passar parafina, ajeitar as quilhas e botar pressão em quem não chegava. A única estrangeira do barco, a portuguesa Francisca Pereira, de 19 anos, era sempre uma das primeiras a se aprontar. Teve um dia em que ela até chorou de raiva pelo atraso das companheiras. Com seu jeito mais quieto, dentro d’água se transformava: não foi à toa que quebrou duas pranchas na viagem.

Um dos meus dilemas era decidir quando cair no mar e quando clicar. Como sou “merrequeira” assumida, logo saquei que meu foco teria que ficar nas fotografias. Tinha entrado um swell, o que exigiria de mim dedicação e coragem no mar. Além disso, eu era responsável por trazer boas imagens das 11 garotas surfando! Conforme os dias foram passando, porém, começava a ficar nervosa de não estar dentro d’água e pegava algumas ondas nos intervalos dos cliques. Era incrível surfar ao lado delas… A Suelen, a Francisca e a Cláudia me deram ótimas dicas. Mas o melhor surf que fiz foi com a bodyboarder Camila Flora num dia em que as outras estavam cansadas. Sem pressão, consegui me soltar e pegar várias ondas. Naquele momento pensei: “Quero mais nove dias. A surf trip começou agora para mim!”.

Embora as ondas das Maldivas tenham fama de pequenas e fáceis, deparamos com um outro panorama. Um forte swell de 8 pés (2,5 metros de altura), ondas pesadas e dias mais nublados do que ensolarados. O cenário intimidador testou o limite de cada uma e elevou o nível das que se atiraram. A direção do vento e da ondulação favoreciam as “direitas”. Mas a maioria das meninas surfava de frente para a esquerda, portanto tinham a base “goofy” e pegavam com mais facilidade as “esquerdas”. Isso fazia crescer o desafio: a maioria delas teria que surfar de costas para ondas grandes. Honkys, Colas, Chickens, Jails e Sultans foram alguns dos picos mais surfados. A Suelen, a Cláudia, a Francisca, a Brigitte e a Isabela Li­ma mandaram muito bem nos dias de ondas maiores. E a Camila, única bodyboarder do grupo e surfista “for fun”, me impressionou em todas as quedas. Ela, que na “vida real” é assessora de moda, tem 30 anos e fez trabalho e marido esperarem enquanto ela fazia sua surf trip.

Um dos momentos mais legais da rotina no barco era a hora da beleza. As meninas se reuniam à noite para fazer as unhas e, enquanto pintavam as mãos com cores vibrantes, falavam sobre a saudade dos namorados, as últimas viagens e, claro, sobre surf. Foi por água abaixo o mito de que surfistas são masculinizadas, e desleixadas.

Olhos atentos
Cláudia Gonçalves, de 24 anos, revelou-se a figura do barco. Sua energia era inesgotável. Uma das mais atiradas no mar, ela agitava as partidas de mau-mau e o karao­ke que embalava as noites. A carioca Belinha Lima encontrou na Cláudia uma grande parceira para fazer suas molecagens.

Sempre que o barco de apoio chegava a um pico de surf e despejava a mulherada na água, elas saíam arrepiando. Era curioso observar a expressão dos demais surfistas – que perguntavam de onde tinham surgido aquelas mulheres. Na maioria das vezes, elas surfavam muito melhor que eles. E impressionavam tanto pela radicalidade das manobras como pelos corpos esculturais.

Era sempre um choque visitar uma ilha local e dar de cara com mulheres cheias de lenços e roupas largas. Tímidas e discretas, nos olhavam ora com cara de espanto, ora admiradas. As ilhas Maldivas formam um país islâmico que segue à risca os rituais da religião. Ouvíamos nos alto-falantes as cinco rezas diárias e deparamos com mesquitas diferentes para homens e mulheres. Nas ilhas locais é proibido usar biquíni e os tripulantes nos aconselhavam a andar mais cobertas. Mesmo assim, a mulherada parava o trânsito e o comércio quando andava por uma das ilhas atrás de lan houses.

Conforme os dias passavam, ficou visível o laço que todas construíram ali. Durante a viagem, Chantalla fez 20 anos e as meninas prepararam uma festa surpresa que a tripulação jamais vai esquecer. Brigadeiro, bolo, balões e muitas dancinhas. Na última noite, uma homenagem à Brigitte fez começar a choradeira da despedida. Ninguém queria acordar daquele sonho, muito menos eu, que, no fim da viagem, já podia me sentir a 12ª surfista do barco.

* Manoela D’Almeida, 24, é jornalista, fotógrafa e gaúcha. Aos 12 descobriu que o surf seria para toda a vida. Coleciona destinos em busca de imagens e se dedica à fotografia de moda e publicidade. Veja mais em www.manuphoto.com.br

DICAS

Quem leva
A companhia aérea Emirates Airlines é a opção mais rápida para quem sai do Brasil. O voo é via Dubai e dura cerca de 15 horas. Chegando lá, você pega outro voo de cinco horas até Male, a capital das Maldivas. Uma boa dica é aproveitar para conhecer Dubai. O visto é tirado na hora e custa US$ 150. Vá preparada porque eles exigem que você tenha uma reserva na cidade, caso contrário não cedem o visto. Se tiver passaporte europeu, o tratamento é outro. Não é necessário pagar taxa nem ter reserva de hotel.

Onde ficar
Para conhecer as Maldivas a bordo do Horizon III, contate a Laila Werneck, da Atoll Travel Brasil (www.atolltravel.com) pelo (21) 7820-4526 ou pelo lwerneck@wnetrj.com.br. O barco tem quatro andares, capacidade para 20 pessoas, 11 cabines, sauna, Jacuzzi, telefone, internet e 1,5 litro de água potável por pessoa/dia. O pacote de dez dias sai por R$ 2.200 por pessoa e inclui alimentação completa, transfer (do aeroporto ao barco) e “surf guides”.

Para uma viagem de surf com hospedagem em resort, a agência Nivana sugere o Hudhuran Fushi, www.fiestaholidays.com.au/ho­tels/hunduranfushi.html. Os arredores contam com excelentes ondas para surfar. O pacote de dez dias sai a partir de US$ 3.137, com passagem inclusa. O quarto acomoda três pessoas e há um barco que faz o transporte entre o aeroporto e o resort.

A Nivana também indica o barco Manta Cruise para uma viagem de sete noites. A embarcação de quatro estrelas tem capacidade para 20 pessoas, nove cabines, Jacuzzi e bar. O pacote com passagens da Emirates Airlines inclusas sai por US$ 3.156 e inclui alimentação completa, chá, café e água à vontade, aperitivos servidos depois do surf, visita a uma ilha desabitada – com direito a piquenique – e city tour em Male. Nivana Super Trips, (11) 3256-1590, www.nivana.com.br

Onde surfar
Se estiver em um boat trip é necessário um bom “surf guide”. As melhores ondas que encontramos foram em Jails, uma direita extensa, cavada e muito rápida. Como na maioria dos picos, o fundo é de coral e, dependendo da maré, pode estar bem raso. O nome da onda faz menção à prisão que existe nessa ilha, por isso é proibido fazer imagens. Sultans tem uma direita pesada que segura swell de até 8 pés. A sessão final é bem tubular, o que permite cavar bons tubos. Colas, segundo Iboo, nosso guia, é a onda mais pesada das Maldivas. Uma direita bem cavada onde pegamos ondas perfeitas de até 4 pés. O nome faz referência à fábrica da Coca-Cola que existe na ilha. É a única fábrica da Coca no mundo que usa água dessalinizada.

Chickens foi a única esquerda de qualidade que as meninas conseguiram surfar. Nessa ilha era possível entrar e fotografar, mas apenas com autorização da polícia. A onda que a maioria ficou aguçada para experimentar foi a de Pasta Point. Uma esquerda cavada, perfeita, que quebrava solitária na ilha em frente a Sultans. Para surfar essa belezura, só mesmo estando hospedado no resort Chaaya Dhonveli (www.chaayahotels.com) ou pagando US$ 100 por dia, tendo que sair da água sempre que um hóspede quiser surfar.

O que levar
Não deixe de levar prancha grande, pois real­mente pode entrar um bom swell de até 8 pés. Lembre-se de jogos de quilhas, parafina, leashes, kit para reparar pranchas, biquínis, maiôs. Remédio para enjoo é essencial, assim como qualquer outro que você esteja acostumada a tomar. Comprar medicamentos no exterior nunca é uma boa pedida. Leve muitos tubos de protetor solar, especialmente aqueles que grudam na pele! É legal levar uma máscara de mergulho e pés de pato, mas é possível pegar emprestado no barco ou alugar.

É necessário tomar vacina contra febre amarela pelo menos dez dias antes do embarque.

Tpm+

Confira um miniperfil de cada uma das surfistas.

Por Manoela D'Almeida

Cláudia Gonçalves
24 anos
Local de nascimento: São Paulo
Onde surfa: Mora no Guarujá. Vive pelo mundo competindo e também encontrando o noivo Adriano de Souza (surfista que está entre os top 5 do circuito mundial)
Fatos: Surfista profissional há 8 anos, foi campeã brasileira em 2002. Corre há 3 anos o WQS, já tendo ganho etapa importante na Inglaterra, ficou em 13ª no ranking. Nesse meio tempo faz faculdade de jornalismo e é editora da revista Ehlas. Atleta da Oakley.

“Era uma das porta-vozes do grupo. Muito comunicativa, cheia de energia levantava o grupo para cima além de ser, com certeza, uma das maiores atletas do Brasil.”
Chantalla Furlanetto
20 anos
Local de nascimento: Criciúma, Santa Catarina
Onde surfa: Florianópolis, Santa Catarina
Fatos: Vice Campeã Brasileiro Amador  Maresias- São Paulo 2006. 13ª colocão Quikcquisilver Isa Games Mundial de equipes Sub18 2006. 9ª colocada Super Surf Praia da Ferrugem 2007. 5ª colocação Latino Pro ALLAS Montanitas_Equador 2008. 3ª colocação Sul americano Pro Jr Pichilemu Chile 2008. Campeã Circuito catarinense Surfing Games 2008. Atleta da Onbongo.

“Ganhou uma super festa de aniversário no barco e sua bundinha era uma das mais comentadas nas sessões de surf!”


Suelen Naraíssa Domingos de Almeida Santos
24 anos, surfa desde os 8 anos e é irmã de dois surfistas profissionais
Local de nascimento: Ubatuba, São Paulo
Onde surfa: Ubatuba
Fatos: É profissional desde 2001. Faz 5 anos que corre o WQS, e seu foco é Supersurf: “quero ser campeã brasileira neste ano”. Bi campeã paulista amadora, foi duas vezes vice-campeã brasileira profissional, campeã circuito Petrobrás 2006, vice campeã iniciante, Atleta Nicoboco

“É uma das mulheres mais guerreiras que já conheci. Estava sempre entre as primeiras a cair na água. Puxou o nível da maioria das atletas no barco”
Brigitte Margarete Mayer
41 anos
Local de nascimento:  Rio de Janeiro, RJ
Onde surfa: Surfa na Barra
Fatos: Surfista veterana que está há mais de 20 anos entre as top do Brasil sendo campeã brasileira em 1998. A Brigitte é uma grande agitadora do surf feminino brasileiro, fez muito pelo esporte ao longo da sua carreira e até hoje ela é competidora . Apesar de lamentar a falta de incentivo que o esporte sofre, ela aconselha as atletas mais novas “ Tem que correr atrás e se fazer valorizar!”. Atleta Starpoint

“ Grande matriarca da viagem e tinha uma energia fenomenal. Foi responsável por toda organização da viagem e fez bonito nas sessões de surf”
Fernanda Infante
20 anos
6 anos de surf
Local de nascimento:  É de São Caetano, São Paulo
Onde surfa: Surfa na Praia Grande, São Paulo
Fatos: Artista plástica e freesurfer. Faturou títulos em competições universitárias

“ Era uma das mais agitadas do barco e parecia estar vivendo um sonho. Pegou uma grande onda em Sultans que com certeza não vai esquecer por muito tempo”
Maria Franscisca Araújo Pereira dos Santos
20 anos
Local de nascimento:  Lisboa, Portugal
Onde surfa: Surfa em Costa da Caparica, Ericeira
Fatos: campeã nacional Open, Júnior e Universitária
Internaciona. Terceira colocada no Circuito Euroupeu
18 no ranking WQS em 2009. Atleta Roxy

“Tinha uma fome de ondas e metia muita pressão nas manobras. Encantava todas as meninas da trip com seu sotaque português”


Camila Pereira Flora
30 anos
Freesurfer e trabalha como consultora de moda
12 anos de surf
Local de nascimento:  É de São Paulo,SP
Onde surfa: Surfa em Maresias
Fatos: Única bodyboarder da viagem

“Era uma das primeiras a entrar na água e dropava as maiores sem medo! Energia para dar e vender!”

Camilla Callado Duarte
20 anos

Surfa há 06 anos
Local de nascimento: São Paulo, SP
Onde surfa: Guarujá
Fatos: Estudante de Pedagogia. É atleta freesurfer da Local Motion e surfa de Stand Up Paddle

“ É um doce de menina, linda, meiga e encantou toda a tripulação do barco faturando o título de Miss Horizon III. ”
Júlia Gurgel Botelho
25 anos
Local de nascimento: São Paulo, SP
Onde surfa: Surfa na praia da Baleia
Fatos: Freesurfer formada em turismo e trabalha com marketing

“Animou a viagem em muitas aspectos! Seu jeitinho único provocou boas risadas. Ela temeu a incompreensão por isso ameaçou abandonar o barco várias vezes!Seus tombos homéricos geraram preocupação e gargalhadas.”
Isabela Rocha Lima
16 anos, surfa desde os 9
Local de nascimento:  Rio de Janeiro,RJ
Fatos: Campeã Mirim circuito Petrobrás 2007
Campeã Open Circuito Petrobrás 2008
Campeã Rip Curl Groom Search 2009 (sub-16)
Mirim, Open. Atleta Billabong Girls.

“Foi a mascote da viagem, deu energia para o restante do grupo. Mas impressionou quando dropou as maiores ondas de Chickens e Sultas. A garota carioca promete!”
 

Bruna Schmitz
19 anos, surfa desde os 9 anos
Local de nascimento: Matinhos, Paraná
Onde surfa: Surfava em Matinhos, Paraná e atualmente viaja pelo mundo nas competições e aproveita para encontrar o namorado francês Jeremy Flores, atleta da Elite mundial
Fatos: atualmente corre a primeira divisão do Circuito Mundial, o WWT. Primeiro título importante foi aos 13 anos quando ganhou o Billabong Pro Girls, com 13 anos fez sua primeira temporada havaiana. Ganhou GroomSearch em 2004. Começou a investir no WQS em 2008 e garantiu vaga para o WCT. Atleta Roxy.


“Um poço de delicadeza e educação. Foi a princesinha do trip, mas na hora que entrava na água completava as manobras com muita radicalidade. Apesar do rosto lindo, comprova que é o surf no pé que fez ela chegar onde está”

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