A fotógrafa americana Autumn Sonnichsen vem redefinindo o conceito de fotografia erótica
Autumn é o oposto do próprio nome. Nada a ver com a bucólica estação em que as árvores cobrem as ruas com folhas amareladas e as pessoas começam a se esconder sob muitas roupas. Por seus ensaios ultracalientes, a loura de 24 anos mais lembra aqueles incêndios de verão que volta e meia lambem mansões cinematográficas em sua terra natal, a Califórnia: tem gente que só de ouvir “Autumn Sonnichsen” já arma um sorriso sacana.
Mas também nada a ver com a pura e simples imagem de uma câmera tarada: um conceito não se fixa exato em um retrato. Essa é das poucas verdades que a moça, celebrada por seus perturbadores cliques, faz questão de demonstrar. São 15 horas e ela acabou de fazer compras para o almoço. “Ah, odeio dar entrevistas”, diz em seu português quase perfeito, embora pontuado por trocas de gênero e um r caipira. “Bebe uma vodca?”, oferece, pegando gelo e uma Ketel One do freezer na ampla cozinha de sua casa, um belo apartamento nos Jardins. Depois do tintim, ela tenta enumerar a quantidade de lares por que passou. “Uns 20, 30”, chuta a garota de pernas bronzeadas, bermuda curtíssima e cílios muito longos.
Suas lentes já viajaram por Cairo, Berlim, Nova York, Paris, Washington, Cidade do Cabo; foi aos 16 anos que ela saiu da casa da mãe, uma professora que “fazia questão de dizer aos filhos como a gente era foda! Os meus irmãos são uns lucky bastards... Adoramos aprender coisas. Sempre tive a impressão de que faria algo muito bom, desde pequena. Achava que escreveria: era fã daquela turma de americanos em Paris nos anos 20. Ainda bem que parei, porque tudo o que escrevia era ruim!”, ri na cozinha, enquanto lava vegetais antes de colocá-los na geladeira. É fluente em espanhol, francês, alemão e arranha um árabe. “Aprender outra língua é como ser outra pessoa. Existem muitas Autumns dentro de mim”, afirma. Ela sempre sonhou em morar no Rio de Janeiro, mas, em 2005, acabou encontrando, pela internet, um apartamento para dividir em São Paulo, onde o mercado de trabalho favorecia. Hoje, mesmo superinteirada no Brasil – colabora com revistas como Tpm, Trip, Playboy, EleEla e Quem –, planeja deixar a estabilidade e largar a fotografia, como veremos.
"Aprender outra língua é como ser outra pessoa. Existem muitas Autumns dentro de mim"
Enquanto isso não rola, Autumn causa. “Eu pesquisava a sensualidade na fotografia, erotismo, porque trabalhava numa revista masculina”, conta Elizabeth Slamek, ex-diretora de arte da Trip. “Um dia apareceu uma gringa querendo me ver, uma garota muito nova e extremamente doce com sotaque... Quando vi as fotos fiquei extasiada: era tudo o que vinha procurando. As fotos tinham paixão e eram quentes pra valer. Sim... as fotos dela dão tesão!”, justifica. E ela é obstinada: atrás do clique perfeito, não mede limite. “A gente estava clicando uma garota nua amarrada, na Paulista, depois foi pro viaduto do Chá, quando apareceu um policial”, conta seu braço direito, Jozzu. “A Autumn convidou o PM pra participar da foto, e ele acabou ajudando. Depois, a gringa cismou de fotografar a mina na frente da catedral da Sé. Apareceu o mesmo PM mais cinco, dando esporro: ‘Que putaria é essa na frente da igreja?’. Fiquei fazendo cara de paisagem enquanto a Autumn veio com essa: ‘Mas senhorrr! Non sabia que non podia! Eu serrr arrrtista”, gargalha Jozzu, abrindo a porteira do r.
WOOOOW
A arquiteta e jornalista Joana Johnsen, Trip Girl da Trip #164 e protagonista de um futuro livro de Autumn, sugere uns truques da gringa atrás da imagem (im)perfeita. “A gente viajava juntas pelo Nordeste e Norte, começamos a nos fotografar de brincadeira... Depois ela ofereceu uns retratos meus para a Trip. Surgiu por acaso”, diz. Como é seu estilo de fotografar? “Ela sente o limite da pessoa, vai fazendo com que ela queira ficar nua. É impaciente, mas sabe até onde ir, e ao mesmo tempo é persuasiva, deixa a pessoa refletir se quer isso mesmo. E sabe como tornar o transgressivo algo natural, simples, sensível. O que mais gosto nela é o fato de ser uma mulher que admira muito a beleza feminina”, define Joana.
Para Autumn, ver uma mulher maravilhosa é “como presenciar um milagre”, conta a jornalista Erica Gonsales, musa de ensaios e amiga de fé (leia box). Mas ela principalmente aprecia belezas nada óbvias e gosta de surpreender o belo em um enquadramento inusitado, em uma luz suja, um cenário estranho. Basta ver seu recente ensaio com Nana Gouvêa para Playboy, em que colocou a modelo nua no Copan no meio de 300 pessoas. Uma das características marcantes de seu estilo é a capacidade de tornar natural qualquer coisa estranha – e de trazer estranheza para algo aparentemente normal. Suas imagens têm senso de narrativa e uma estética quente que aproxima a técnica de seu berço: o instantâneo. O espectador não parece ver uma foto produzida, e sim assistir ao momento da ação. Próprio de quem curte uma espiada na fechadura: californiana que não nega as raízes, Autumn adora filme pornô. Não é o aspecto sexual que a impressiona, e sim o lado gargantuesco da coisa. “Me fascina o universo das pessoas que vendem seu corpo, que o modificam, que abusam de seus limites. Me apaixonam as coisas que são woooow, larger than life, entende? Vejo mulheres lindas e fico de cara, tipo ‘olha essa gostosa!’.”
Assunto que a tira do sério é a distinção entre erotismo e pornografia. “O que é foto erótica? Se a pessoa está meio pelada é erótica? Totalmente pelada é pornográfica? Não tenho vontade desse debate. Quero fazer fotos divertidas, que as pessoas entendam, que as deixem felizes, não discuto limites. Se quer saber o que é pornografia e o que é erotismo, sugiro esse livro” – e estende um dicionário ao repórter. Mas qual seria sua definição de pornografia? “Qualquer imagem vendida para outra pessoa bater punheta.”
E, daqui a dez anos, que pretende estar fazendo? “Não tenho vontade de seguir na fotografia profissional: esse mundo de revistas tem capacidade de ser extremamente chato”, detona. “Vou tentar terminar a faculdade de história da arte e ser professora. Antes, gostaria de fazer um filme. Num mundo perfeito faria um livro por ano e não publicaria mais nada em outros lugares. Preciso aprender árabe direito, a dirigir um carro com marcha, aprender a cozinhar na Tailândia. Quero ter cavalos. E, faz pouco tempo, fiquei pilhada em largar tudo, voltar para a Califórnia e ser parteira. Aliás, fotografar um parto deve ser incrível. Tenho que fazer isso”, desafia. Tocando no assunto intimidade... toda vez que o repórter se intromete em algum tema mais íntimo, a resposta é uma só: “It’s not of your business! Mais vodca?”. Cheers, Autumn: fotógrafo bom tem que saber mesmo onde colocar o foco.
Erikitty, a musa
Por Erica Gonsales
“Conheci a Autumn quando editava um site erótico e já fazia autorretratos sensuais. Nossa amizade me fez assumir o gosto pelo erotismo. Arrumei uma cúmplice. Todo mundo gosta de sexo. Mas mesmo quem se diz moderno tem pudor de assumir isso. Ela tem um jeito de fazer tudo parecer leve e natural.
Tive resistência em deixar ser fotografada. Também achava que ela era tarada. Mas insistiu tanto que conseguiu. O que me deixou à vontade foi o jeito como ela conduz: diz que você é fantástica, maravilhosa – e você acredita . Mas não é artifício pra te deixar segura, a Autumn fica realmente feliz ao ver uma mulher nua. Um fotógrafo pode ter receio de te pedir pra ficar de quatro. Ela não. É destemida. Já vi essa mulher em situações perigosas para ter a foto que quer: caminhando num telhado quente com telhas se despedaçando, subindo em muros altíssimos, sentada em janelas no 15º andar...
Na verdade, ela pode ser tarada. Mas não 24 horas. Como toda mulher, é sensível, chora em filmes de amor e ama dar presentes. É das pessoas mais generosas que conheço. Ela me deu algo precioso, que tento retribuir quando faço alguma doideira que ela me pede (como deitar no escadão da avenida Sumaré às três da tarde e mostrar a bunda pra ela fotografar). Me acho mais bonita por causa dela.”
Conhaça o blog da Autumn no site da Trip
https://revistatrip.uol.com.br/blogs/autumn/