Teresa Cristina: existe live inteligente na madrugada
A sambista entra ao vivo todos os dias em seu Instagram para cantar e falar sobre música com convidados como Daniela Mercury e Maria Gadú
Duas horas da manhã. Clima de paquera, cerveja gelada, música rolando, uma porta aberta para o inesperado. Poderia ser uma roda de samba na Lapa, no centro do Rio de Janeiro, mas é uma live no Instagram da sambista Teresa Cristina. Nos últimos vinte dias, ela tem entrado ao vivo diariamente para cantar e trocar ideia sobre música e cultura popular. As lives são temáticas: Zeca Pagodinho, Mangueira e Arlindo Cruz já foram homenageados, por exemplo.
Teresa canta, à capela, suas preferidas e convida gente que manja do assunto para fazer participações. Como a lista de amigos da carioca inclui uma infinidade de famosos, é rotina que entre os comentaristas de suas lives estejam arrobas como os de Patrícia Pillar, Mariana Ximenes e Preta Gil. "A Gal Costa assistiu à noite que fiz em sua homenagem. Ela entrou, interagiu com as pessoas e falou que estava gostando. A Anitta também já entrou. Eu achei que era mentira. Só quando a live acabou e eu vi o print é que entendi que realmente era a Anitta. Até mandei um direct pra ela pedindo desculpas, porque demorei para acreditar. Fiquei com vergonha, falei para ela que não tenho nem roupa para recebê-la na minha live", conta.
Inimiga do fim, Teresa trocou uma ideia com a Tpm sobre suas motivações para tanta live, a paixão pelo samba e os planos para o futuro: "A gente não sabe de nada nessa quarentena. Só o que eu sei é que vou continuar fazendo minhas lives", garante. A boemia agradece!
Tpm. Como está sendo sua quarentena?
Teresa Cristina. Não sei mais há quanto tempo estou confinada, alguma coisa próxima de 50 dias. Logo na primeira semana fui ficando muito deprimida, preocupada com meu futuro. Como vai ser minha sobrevivência sem shows nem promessas de outros trabalhos? Sou provedora, moro com minha mãe e minha filha e o dinheiro que eu ganho ajuda minha família. Aí começou aquela coisa de ficar sem sono, um montão de preocupações na cabeça, essa presença da morte, essa necropolítica instaurada, todo dia uma notícia ruim. E aí pensei em como cuidar da mente.
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Por isso começou a fazer as lives? Comecei a querer fazer pensando na minha mãe, porque ela adora cantar e a ideia era distraí-la. A primeira fiz com ela. E aí percebi que algumas das pessoas que estavam acompanhando tinham dúvidas sobre o universo do samba. Sobre a ideia do samba de terreiro, por exemplo, que são os sambas de meio de ano das escolas e as pessoas achavam que eram os sambas que falam de orixás. Aí resolvi fazer uma live explicando e cantando sambas de terreiro. Comecei a tomar gosto e a passar muitas horas por dia pesquisando e elaborando repertórios, coisas que amo fazer. O samba tem essa coisa oral, é uma cultura que a gente vai aprendendo e passando pros outros. Essa foi a maneira que encontrei para passar a quarentena sem me deprimir. No começo, eu fazia uma live a cada 3 ou 4 dias, mas a tristeza foi aumentando e eu fui fazendo todo dia. Faz uns 20 dias que faço diariamente.
Uma característica das suas lives é que elas seguem madrugada adentro. Você é notívaga? Eu cantava na noite, sempre fui acesa na madrugada. Depois que tive minha filha, a Lorena, mudei minha rotina e passei a dormir mais cedo. Na quarentena eu tenho dormido mais tarde. Eu começava as lives bem tarde porque me viciei real no Big Brother, me apeguei ao Babu e à Thelma. Então começava depois do programa. Agora, como acabou o BBB, estou testando o horário das 22h, mas não consegui terminar mais cedo, acabou 2h da manhã, foram quase 4 horas de live. Tem sempre um papo, não é só música. E tem a coisa do 'Cristinder', a azaração entre as pessoas, que a galera inventou. Eu acho muito válido, tem um clima boêmio. Para quem quer informação eu passo, quem está ali só para encontrar alguém, também está tudo certo.
O samba tem muito isso né, de ir reunindo gente... O samba agrega, isso está na essência. Estamos ali falando de samba, reunindo as pessoas nesse encontro. O natural da roda de samba é fazer com que as pessoas tenham essa troca de afeto, criem um vínculo de cumplicidade.
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Outra lance são as participações especiais que rolam. Você convida a galera antes ou vai no improviso? Algumas pessoas eu convido. Convidei a Zélia Duncan, por exemplo. Mas tem cantoras que aparecem e eu convido na hora, como a Verônica Bomfim, que fez o musical da Elza. Eu não a conhecia pessoalmente, foi uma surpresa maravilhosa. É muito legal mostrar pessoas que quem está assistindo talvez não conheça. Fiz uma live sobre a Gal recentemente. Ela não cantou, mas assistiu, interagiu com as pessoas e falou que estava gostando. A Anitta também já entrou para assistir. Eu achei que era mentira, porque o povo ali é brincalhão, as pessoas inventam, falam que a Bethânia está na portaria, de palhaçada. Só quando a live acabou e eu vi o print é que entendi que realmente era a Anitta. Até mandei um direct pra ela pedindo desculpas, porque demorei para acreditar. Fiquei com vergonha, falei para ela que não tenho nem roupa para recebê-la na minha live. A Cissa Guimarães todo dia comenta alguma coisa, a Patrícia Pillar, Mariana Ximenes…. Elas aparecem e ficam fervendo com os convidados. A Daniela Mercury apareceu de surpresa e quis cantar. A Maria Gadú também, apareceu de repente e cantou Gonzaguinha. As pessoas que estão assistindo são X-9, elas me avisam quem está na live e eu chamo. Outro dia a Roberta Sá chegou às 2 da manhã, eu já estava me despedindo, mas aí reabri para ela cantar um Nelson Cavaquinho. Isso é muito gostoso.
Quem você gostaria que entrasse na sua live? Chico Buarque! Se ele entra acho que eu morro.
Quantas pessoas costumam te acompanhar? Os números estão crescendo. Já tive picos de 4 mil pessoas simultaneamente, mas meu recorde no número de pessoas que já passaram por uma live foi de 28 mil.
Alguma das lives te marcou de forma especial? No dia de São Jorge, 23 de abril, dia de Ogum, todo mundo costumava estar rua, tem a liturgia da alvorada. Mas este ano foi cada um na sua casa. O tema desta live foi Zeca Pagodinho, grande devoto de São Jorge. Fiquei cantando até às 4 da manhã, a ideia era largar as pessoas no toque da alvorada. Foi um dia especial, me senti acolhida e forte. A gente não sabe de nada nessa quarentena. Só o que eu sei é que vou continuar fazendo minhas lives.