”Mas como assim, o policial fugiu? Mas o governador não vai renunciar? Por que o Eduardo Cunha ainda não foi preso?” A difícil tarefa de tentar explicar o Brasil de 2015 para um gringo
"Quem matou deve ter sido o policial, tudo indica, mas ele fugiu." "Mas como assim? Policial foge? Isso não pode, é errado, um policial não pode fugir". Esse foi um dos diálogos malucos que tive com o bofe alemão tentando explicar o Brasil. Eu falava de algum dos crimes praticados pela polícia do Rio de Janeiro. No caso, o policial tinha matado. E fugido.
Se você mora fora, também deve ter esse problema. Explicar o Brasil pode ser mais difícil do que aprender alemão. E depois de cada chacina (são muitas), eu tenho que explicar coisas como: "o policial vai ser investigado. Ah, mas não, ele não deve ser punido. Ele vai ser investigado por um órgão da própria polícia."
A conversa continua: "Mas o governador renunciou?". E eu tenho que explicar que governador nunca renuncia, nem quando acaba a água, nem quando cinco meninos são metralhados com 50 balas em um carro. Nem quando a polícia bate em criança que não quer que a própria escola feche."
"Mas então o secretário de segurança foi demitido?" "Não, não foi, ele disse que vai investigar o caso, mas ninguém foi demitido. Ninguém nunca é demitido, pelo menos essas pessoas não. É muito raro. Quem é demitido somos nós, jornalistas. A gente é muito demitido."
E o desafio continua. Você já tentou explicar o que é arrastão em uma outra língua? É muito complicado. Sempre que eu tento, prefiro mostrar a imagem por vídeo. "Grupo de pessoas correndo pela praia ou pela rua roubando tudo que vê pela frente" não parece dar a dimensão.
E não, eu não estou falando que a Europa é o melhor lugar do mundo. Não é. Existem um milhão de problemas e o passado da Alemanha o condena (e o presente em muitas coisas também). Mas sem patrulha nacionalista! Tô falando sobre explicar o Brasil. E sério, você não pode achar que isso é fácil.
"Mas o Eduardo Cunha não vai ser preso?". "Não, deputado não pode ser preso." Mas ele não vai renunciar? "Não, ninguém renuncia, lembra? E é complicado, porque ele ainda é o Presidente da Câmara. "Mas ele não renunciou". "Não, ninguém renuncia." "Mas e a honra?" "Não existe isso de honra, são bandidos, bandidos, bandidos sem honra". Ele me olha com cara confusa.
Outras coisas dificeis de explicar: que as pessoas de classe média tem babás vestidas de branco e funcionários do lar que dormem em casa (e isso eu já contei nesse blog), que restaurante e academia de ginástica têm vallet.
"Mas por que?" "Porque sim. As pessoas gostam de dar a chave do carro na mão de alguém que vai estacionar. Também nunca entendi."
Algumas das coisas boas também são impossíveis de explicar, tipo a nova piada da internet e piadas em geral. Porque uma coisa é certa. Mesmo no fundo do poço da lama de Mariana, com a polícia dando porrada em menor de idade… Não sei como, mas a gente ri. E isso eu não sei explicar nem para mim.
