Sábado quente e fui para São Bernardo fazer palestra para síndicos do ABC. Tenho feito muitos discursos nos últimos dias: falei para funcionários da TAM, agentes de cultura, familiares, profissionais e pacientes da Casa Hope e na Câmara do Comércio Dinamarquesa. Tirando esta última, que me deixou um pouco tensa por ter que me expressar em inglês a presidentes de multinacionais, as outras não abalaram em nada minha serenidade. Mas nem sempre foi assim… A primeira vez que fui convidada a fazer uma palestra foi para a empresa Natura e não dormi durante três semanas. Repeti a insônia nas dez primeiras palestras que fiz. Hoje, posso falar em programas de TV a qualquer hora ou encarar uma multidão com segurança.
Deixei a companhia dos síndicos e estava exatamente ao lado da casa da minha mãe, onde morei durante anos também com o meu pai, falecido ano passado, e com a Norma (babá desde o meu primeiro ano de vida), que morreu em 2008. Jamais achei que pudesse ser tão difícil entrar na minha própria casa. E dizer que vivi momentos horrorosos lá, por isso a minha dificuldade, não procede. Posso até ter vivido momentos difíceis, como aconteceu nas muitas casas em que já morei, porém isso não justifica a aversão. Até porque os bons momentos me chegam à memória com facilidade e, se tem algo nesta vida em que me vejo como uma profissional de alto nível, é na habilidade de ser feliz.
Enquanto escrevia este texto, estava ouvindo a banda Deep Forest – que, por ironia do destino, era a trilha que rolava no carro no momento em que despencamos montanha abaixo e estacionamos na profundidade da floresta com meu pescoço quebrado. Pensei, neste momento, que poderia ir ao local do acidente bisbilhotar detalhes da paisagem – e sem trauma. Como posso ter curiosidade e desprendimento para ir a esse lugar, que reflete um dia tão sofrido e definitivo, e não conseguir ir àquela casa, que só me faz querer ir embora?
Vitamina emocional
Fui entrando na casa e me deparando com o lugar onde o meu pai gostava de ficar. Embora bonito e impecável, olhar o jardim e o azul da piscina revirou tudo que eu tenho dentro do meu coração, tipo liquidificador desconstruindo ingredientes. Na hora de pegar o elevador para subir no meu quarto, passei pelo quarto da Norma e fiquei com meus conteúdos mais desorganizados ainda. Para completar a bagunça nos referenciais, minha mãe não estava em casa, e nunca tinha visto quem trabalha lá agora.
Eu nunca fui saudosista e muito menos fixada no passado. Ligo muito pouco para o ontem. Mas esse passado, que é um presente de afetuosas confusões, merece atenção. Cada vez mais quero reverter a dor das pessoas, como um remédio que tira o sofrimento desses que se foram, mas que ainda moram no meu presente.
Talvez, saber que quem eu mais amei na vida amargou por ali desmonta qualquer desejo de lembrar disso. E procuro não lembrar, só que a memória do meu coração é implacável. Então eu sinto…