O efeito da cerveja e da música em hindi, mais a visão daquela mulher cantando com um xador, me fez pensar quantas vezes nós nos colocamos burkas imaginárias
A vida em Kathamdu é bem mais agitada do que em Dharamsala, na Índia, sede do governo do Tibete no exílio e residência do Dalai Lama, lugar onde morei durante 1 ano.
Kathmandu é a capital do Nepal. Pra quem veio de São Paulo como eu, VJ da hypada noite paulistana, depois morou 4 anos em um monastério budista e 1 ano na Índia, no meio hindus, sikis, tibetanos e muiiiitas vacas, esta é uma cidade mágica, uma mistura de templos hindus e budistas seculares e … FESTA. Uma noite dessas, tomando uns drinks com amigos no Reggae Bar, a Torre do Dr. Zero daqui, e curtindo uma banda local tocando clássicos do rocky, uma mulher com um xador, veste feminina que cobre o corpo todo com a exceção do rosto, sobe ao palco, pega o microfone e com uma voz linda canta músicas em hindi, que mais parecem lamentos, comovente. Meus amigos nepaleses me contam que ela era a modelo mais famosa do Nepal, e um belo dia alguém bem malvado postou uma sex tape da moça na internet. Para uma sociedade careta e machista como a nepalesa foi um mega escândalo, a coitada ficou marcada e com o filme queimado para sempre. Até que ela conheceu um homem muçulmano, casou, se converteu ao islamismo, passou a usar um xador, a encarar as pessoas nos olhos novamente e o mais incrível: a subir nos palcos e cantar. Pela sua atitude no palco, ficou evidente que ela se sente livre dos “pecados” do passado e é uma mulher respeitável de novo. Os meus amigos nepaleses também parecem terem perdoado a “pecadora da sex tape”.
O efeito da cerveja e da música em hindi, mais a visão daquela mulher cantando com um xador, me fez pensar quantas vezes nós nos colocamos burkas imaginárias. Eu me considero uma mulher livre, emancipada, e pelo feedback das pessoas, essa é a imagem que eu transmito por aí. E mesmo com tanta modernidade, eu “confessei” para mim mesma quantas vezes eu já vesti uma burka imaginária. Algumas colocadas por outros, mas na maioria das vezes colocada por mim mesma. Eu que saí das festas para um monastério budista, hoje vejo a beleza do caminho do meio. E quem nunca vestiu uma burka imaginária que atire a primeira pedra!