Silencio, no hay banda

por Tainá Müller
Tpm #103

Todo dia Tainá Müller mergulha em si com a meditação transcendental que mudou seu mundo

Uma incompletude crônica, ornada vez ou outra por faíscas de euforia, vindas quase sempre do mundo lá de fora. Assim eu era, desde que me reconheci como gente. Crônico também era meu romantismo em relação à vida e, por conseguinte, à arte, o que me fazia ver beleza na melancolia e chatice em todos os ideais de felicidade. Aliás, essa palavra era apenas um conceito vago e ilusório, inventado nos contos de fadas e mantido pelo capitalismo. Feliz eu era quando fumava meus cigarros, bebia meu vinho e brindava a vida com os amigos. Triste muitas vezes era o dia seguinte, quando o vazio, sempre ele, voltava a ocupar seu espaço.

OK, agora a cara leitora deve estar se preparando para uma virada à la “encontrei Jesus” e... está certa. Foi mais ou menos o que aconteceu quando, quase sem querer, acabei parando em uma aula de meditação transcendental no bairro Itaim Bibi, em São Paulo. Mas eu já chego lá. Um pouco antes desse momento, deparei com o livro Em Águas Profundas, do David Lynch, um dos meus diretores de cinema favoritos. Achei bacana, mas hoje vejo que não entendi bulhufas quando o li da primeira vez. O livro de Lynch parecia doutrinário demais, além de ir de encontro à minha resistência cética a qualquer tipo de fórmula de bem-estar. Até porque sempre pensei na minha inquietude como uma característica positiva e impulsionadora da vontade de expressão. Como atriz, não sabia que era possível saber da dor sem manter a dor fora de cena. Não conseguia me descolar do sofrimento das personagens e deixava minha vida afundar junto com elas. Cheguei a pensar que, se continuasse nessa carreira, poderia um dia morrer do coração. Si, yo soy una mujer dramática, muy dramática.

Acho que a ficha caiu depois do Tropa de Elite 2, um filmaço que adorei fazer, mas que também fez a gente lidar com energias bem pesadas. A morte, a violência e a brutalidade faziam parte do universo do filme e, então, concluídas as filmagens, precisava me livrar de tudo aquilo para aproveitar o que aprendi e sair transformada. Foi assim que, através da minha irmã Titi, acabei conhecendo um curso da tal meditação do Lynch. A Juliana e a Leila, as duas belas e simpáticas professoras, já de cara me deixaram mais tranquila. Elas não pareciam pairar no ar ou deslizar sobre a Terra. Não eram caretas ou sérias demais, pelo contrário, eram engraçadas e até faziam piadas com a própria meditação. Só tinha uma coisa nelas que era bem evidente e inquestionável: elas eram felizes. Sim, mas não era a felicidade da propaganda de margarina. Era uma felicidade tranquila, que não era exibida, apenas acontecia. Como uma estação de rádio, a felicidade delas era uma frequência.

Bem-vinda ao seu mundo

Logo na palestra introdutória já senti o peso da massa encefálica que carrego na cabeça, com todas as suas correntes elétricas conectando-se aleatórias à minha vontade. Cheguei à conclusão de que precisava, de algum modo, fazer com que minha consciência jogasse a meu favor. Foi uma semana de “treinamento”, e posso dizer que foi um dos períodos mais malucos da minha vida. Não posso compartilhar minhas experiências mais subjetivas, porque isso faz parte do acordo que fazemos quando aprendemos a meditar. E faz sentido, pois cada cachola é uma cachola.

Depois disso não parei mais. Não consigo. Faz parte do meu dia parar duas vezes e dar um revigorante mergulho de 20 minutos. Entendi tudo. Dos budistas aos espíritas. Dos hindus aos evangélicos. Tudo passou a fazer um sentido extraordinário e o tal vazio simplesmente foi embora. Pude assim, pela primeira vez, experimentar algo que não é catalogável: a felicidade genuína. Eu não estava feliz porque comprei uma roupa incrível ou arranjei um trabalho muito legal. Não tinha nada a ver com meu namorado, com meus amigos ou com minha família. Era como se me encontrasse estofada de algo tão sutil quanto grandioso. De repente o mundo, mesmo com toda sua feiura, simbolicamente adquiriu luz em seus contornos. Até hoje não sei explicar os mistérios do lugar aonde chegamos no quarto estado de consciência, que é chamado de consciência transcendental. Só sei que ele é um poço infinito de amor e verdade. É difícil amar honestamente o que não conhecemos. E, se a minha profissão é o instrumento sagrado da minha busca, a meditação me ensinou que conhecendo a mim mesma profundamente posso conhecer a humanidade inteira. Logo, confortada por um amor-próprio incondicional, posso estendê-lo sobre todos aqueles que a vida me apresenta. Suspeito que só assim seja possível o tão sonhado “viver feliz para sempre”.

 

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