Seu trabalho pára na hora do jogo? O meu, não!

por Ana Manfrinatto

Mesmo assim eu consegui assistir ao primeiro jogo do Brasil na copa. Leia o relato.

Já sei que estou um pouco atrasada, gente! Mas mesmo assim queria contar rapidinho como foi que eu vivi o primeiro jogo do Brasil na copa do mundo sul africana sendo eu uma moradora da Argentina.

Antes de mais nada é preciso aclarar que o arqui inimigo da Argentina não é Brasil. A prova disso é que não tem nenhuma propaganda na televisão local que fale sobre a rivalidade dos hermanos como as que estão sendo exibidas aí no Brasil.

É assim: sim, a seleção canarinho é um temor dos argentinos mas, no entanto, a rivalidade “posta” (de verdade, como diz a gíria daqui) é com a Inglaterra por causa da Guerra das Malvinas. Tipo, até rolou do CQC argentino mostrar uma matéria na qual o repórter pedia para uns africanos jogarem pó de pirlimpimpim no campo onde o Brasil debutou com a Coréia lá em Joanesburgo. E nada mais.

Sem mais delongas, vamos ao breve relato da minha terça-feira (15/06):

10h – Acordei e nem lembrava que neste dia o Brasil estreava na copa.

10h30 – Chequei meus e-mails em casa antes de ir pro trabalho e, através da conversa dos meus amigos brasileiros no Facebook, me dei conta de que era o dia do jogo e que eles já estavam combinando de tomar cerveja até encontrar a tal lata que fala.

11h15 – Desenterro do fundo do baú do meu guarda roupa uma camisa verde e amarela com o número 9 nas costas e vou trabalhar.

11h30 – Pego o metrô naquela energia de caminhada até o Parque Antárctica em dia de jogo mas é em vão... Como não é a Argentina que vai jogar, ninguém está no mesmo pique que eu e não escuto nem sequer uma corneta (que agora se chama vuvuzela, né?)

12h – Chego no trabalho.

12h15 – Visto a camisa.

12h30 – Troco e-mails com amigos brasileiros que disseram que iam tomar uma cerveja por mim.

13h – Como duas empanadas e trato de deixar absolutamente TUDO pronto para a gravação do programa no qual eu estou trabalhando (começaríamos a gravar às 16h).

15h00 – Uma maquiadora foi embora, queimou uma lâmpada do estúdio e acabou a água do prédio. Tudo isso significa que a gravação começaria com atraso. Deus é pai!

15h15 – Peço para o segurança da tevê onde eu trabalho colocar a televisão da recepção no canal que transmitia o jogo. Falo com a Mel e a com a Fê, as outras duas brasileiras que trabalham comigo.

15h20 – Dou uma banda para ver como vai a pré produção da gravação e me dou conta que tava tudo atrasado. Ufa...

15h35 – Fernanda e eu, uniformizadas, nos sentamos num banquinho de plástico na recepção e começamos a ver o jogo. Durante todo o primeiro tempo nós chingamos muito a atuação da nossa seleção. (E por dentro agradecemos o fato dos nossos companheiros argentinos não entenderem o rosário de palavrões totalmente sem classe que nós estávamos desfiando).

INTERVALO – Já com todos os dedos comidos, cada uma vai para o seu lado ver o que é que tá pegando no trabalho.

SEGUNDO TEMPO – Mais palavrões até que sai o gol do Maicon. Só nós duas gritamos. Mas mesmo assim deu para escutar dentro de um estúdio. O mesmo acontece quando Elano chuta pro gol. Nossas caras, que antes eram de pânico, agora sorriem à toa, totalmente aliviadas.  A alegria era tanta que ofuscou a urubuzice dos companheiros argentinos que diziam frases como “Hoje eu sou Coréia”.

QUASE 45 DO SEGUNDO TEMPO – Era necessário aquele coreano fazer gol? Enfim... a gente rezou para o jogo terminar rápido e deu o tempo certinho de eu entrar no estúdio e a gravação começar, viva!!!

PÓS JOGO – Os colegas todos nos parabenizaram pela vitória e seguimos trabalhando uniformizadas e confiantes de que logo mais teremos outra estrela reluzente no peito.

Conclusão: certeza que você viveu uma experiência muito mais emocionante e divertida que a nossa. A nossa vantagem, neste caso, é poder fazer a piadinha do “eu tenho 5 estrelas e você só tem 2” o tempo todo. 

Quesito “curiosidade”: o jogador Elano é eterno motivo de chacota aqui na Argentina. Explico: “el” quer dizer “o” e “ano” quer dizer “ânus”, ou seja, para os hermanos é muito, mas muito engraçado que alguém se chame Elano. O que não é mais engraçado é ouvir piadinhas com o nome do nosso jogador.

Quesito “pão e circo”: o futebol é, de fato, o ópio do povo. Desde que a copa começou a minha maior diversão é chegar em casa depois do trabalho e completar o meu “fixture” (tabela) com os resultados dos jogos. É tão terapêutico que me leva quase a um estado meditativo, já que enquanto eu faço isso eu não penso em mais nada.

Quesito “moda”: alguém me explica o outfit do Dunga no primeiro jogo? Gosto de técnico tipo o Felipão que usa conjunto esportivo. Também gosto do Luxemburgo que usa terno. Mas aquele casaco de botões estilo Beatles no início da carreira não dava, não. E a combinação marrom com cinza? Ah, Dunga, sorry mas eu não gostei!

Bom, deixa eu ir lá dormir porque daqui a pouco tem café da manhã na firrrma com o jogo da Argentina no telão. E eu vou torcer para a Argentina até ela se encontrar com o Brasil, lembra? E também torço pro Uruguai que bateu um bolaço hoje. Difícil administrar três times, viu?

Sem mais, câmbio e desligo.

p.s.: a ilustração do post é do Jairo Neto.

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