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São Francisco em duas rodas

Foi pedalando que a diretora de arte Beth Slamek descobriu a cidade mais hippie do ocidente

A Alamo Square é uma praça que proporciona uma ótima vista do centro da cidade e onde sempre tem alguém fotografando as famosas painted ladies, exemplares das casas de estilo vitoriano, típicas de São Francisco

A Alamo Square é uma praça que proporciona uma ótima vista do centro da cidade e onde sempre tem alguém fotografando as famosas painted ladies, exemplares das casas de estilo vitoriano, típicas de São Francisco


Por Beth Slamek

em 8 de julho de 2009

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A imagem mais forte que tinha de São Francisco depois do movimento hippie era a das perseguições de cinema com carros decolando por ladeiras desafiadoras da gravidade. A surpresa – e o que ninguém tinha me contado – é que o melhor jeito de conhecer a cidade é pedalando. Apesar de não ser conhecida como um bom lugar para andar de bicicleta, basta um primeiro passeio pela cidade para você dar de cara com numerosas ciclovias, sinalizações especiais e bicicletarias. Aqui, o ciclismo vai muito além do esporte – é uma postura política, uma opção de transporte inteligente e limpa, que cabe no perfil verde e engajado da cidade. E, para encontrar a companheira perfeita para sua viagem, vá direto ao www.craigslist.org, o maior site de compra, venda e rolos do mundo, que nasceu na cidade e é onde ele melhor funciona.

O ouro de São Francisco está ao ar livre. A cidade é pequena e cercada pelo mar, por isso sua bike vai te levar a lugares de vistas arrebatadoras. Um dos passeios mais legais – e planos – é pedalar pelo Golden Gate Park, que não tem nada a ver com a ponte Golden Gate. Coração verde da cidade, ele é tão grande que fica difícil conhecer tudo. Cheio de lagos, abriga atrações como o museu de artes De Young, a Academia de Ciências da Califórnia e o imperdível Jardim Botânico, meu lugar favorito, com árvores lindíssimas e recantos ideais para descansar.

Outro passeio imperdível é explorar o Presidio National Park. No pico de uma região mais montanhosa, pedalar até ele exige preparo físico. Mas o que vai tirar seu fôlego são as vistas da ponte Golden Gate, da Baker Beach e da ilha de Alcatraz. Descendo pelo parque Presidio, você chega ao pé da ponte e é inesquecível atravessá-la de bicicleta. O passeio pode continuar do outro lado da ponte, seguindo pela Conzelman Road, a estrada que margeia a costa. É uma bela subida, mas cada pedalada rende algumas das paisagens mais lindas da cidade. Poucas sensações se comparam à de chegar a um lugar maravilhoso com a força das próprias pernas.

Um outro programa com vista para a ponte Golden Gate – mas bem mais fácil – é percorrer a marina a partir do Fort Mason em direção à ponte. O caminho, plano, é demarcado por ciclovias e dá para ver toda a baía, onde o mar fica enfeitado de veleiros, velas de windsurf, pipas de kitesurf e toda a sorte de esportes náuticos.

Sweet home
A segunda coisa que você tem que procurar no craigslist é um lugar para ficar. A minha dica é: não se hospede num hotel. No site, você encontra ofertas de aluguel de quartos, casas para dividir e apartamentos a preços vantajosos e em locais interessantes. São Francisco é pequena e quase todos os hotéis localizam-se ao longo da avenida Market Street, o ponto mais turístico e sem graça. Se não quiser dispensar o conforto de um hotel, procure pelos menores e longe dos bairros centrais de Downtown e Tenderloin.

 

A vista da ponte Golden Gate e a cidade ao fundo
A vista da ponte Golden Gate e a cidade ao fundo

Vale muito se hospedar numa casa, principalmente porque você vai ter uma cozinha. Quem gosta minimamente de cozinhar vai pirar com a profusão de produtos orgânicos e fresquinhos. A grande atração são os farmer’s markets. O maior deles fica no Embarcadero e acontece aos sábados. São dezenas de barracas dos produtores das fazendas de orgânicos da Califórnia vendendo direto ao consumidor. Um dos meus programas preferidos é escolher cogumelos frescos. É possível encontrar espécies raras, como porcini e morel, que adoro.

 

Mas a cidade também tem muitas opções de bons restaurantes, com comidas de todas as nacionalidades: chinesa, indiana, italiana, árabe, mexicana e até brasileira. Um dos meus favoritos é o pequeno Burma Superstar, de comida burmanesa, que está sempre cheio, mas vale a espera. Não deixe de pedir a deliciosa Tea Leaf Salad.

Quanto mais hippie melhor
Gastar os tubos em compras em São Francisco não pega lá muito bem, afinal, você está na capital hippie do mundo e o desapego está em alta desde os anos 60. As lojas de departamentos ficam na área turística e quem vive na cidade prefere comprar em lojas de artistas locais a dar o dinheiro às corporações. Vi com meus próprios olhos a gigante Virgin Records fechar, enquanto as lojas de discos de vinil, as livrarias de usados e os brechós vão muito bem, obrigada.

As livrarias são uma atração à parte. Um dos cartões- postais da cidade é a charmosa City Lights, de 1953. Ela foi ponto de encontro histórico da cena beat. Oferece uma lista de livros com destaque para o período beatnik. A minha preferida é a Green Apple, onde você acha livros novos e usados. Prepare-se para passar horas nos puxadinhos que compõem o espaço. As seções de arte e fotografia são de enlouquecer. Outra livraria curiosa é a Bound Together – Anarchist Colletive Bookstore. Como o nome já diz, é uma livraria cooperativa anarquista. Tem publicações revolucionárias, fanzines, revistas de todos os tipos de movimentos libertários e engajados.

A Amoeba Records, famosa loja alternativa, continua valendo uma visita se você gosta de música.
Enorme, reúne uma imensa quantidade de vinis, CDs, pôsteres, DVDs, além de ter shows na faixa. A Rooky Ricardos é uma dessas lojas de enlouquecer amantes de discos, pequena, mas forrada de disquinhos de 45 polegadas que saem a “3 por US$ 5”. Outra loja bacana pelo cuidado e pela edição dos LPs é a Groove Merchant. É recheada de sons exóticos e toda a gama black dos 60 e 70. Virei fã.
O melhor lugar para comprar roupas e acessórios são os brechós. A Haight Street tem vários, como o Held Over e o Wasteland, que mistura o novo e o usado. Nos fundos, tem uma dessas máquinas de foto automáticas que garante a diversão de entrar com chapéus, óculos e lenços e sair com um souvenir especial. E tem os brechós refinados, ou vintage boutiques, mais caros, mas com um preciosismo e amor à causa que enchem os olhos, como o Decades of Fashion, que tem peças antigas pra valer, dos anos 20, 30 e 40.

Artistas na Sketch Tuesdays da 111 Minna Gallery, uma das noites mais divertidas de lá
Artistas na Sketch Tuesdays da 111 Minna Gallery, uma das noites mais divertidas de lá

São Francisco nights
Se você for pedalar o dia inteiro, provavelmente não vai ter força para sair à noite. Mas opção é o que não falta. Dá pra escolher seu tipo de festa pelo SF Weekly, jornal semanal gratuito com a programação da cidade. O meu programa preferido são os shows, especialmente nas casas pequenas. Vale conhecer o Great American Music Hall, um antigo bordel de arquitetura especial transformado em casa de shows. E não poderia faltar Fillmore, palco de apresentações históricas, onde você pode apreciar uma linda coleção de pôsteres psicodélicos dos anos 60 e 70. Um dos lugares onde mais me diverti foi na 111 Minna Gallery, misto de galeria de arte e bar que abriga eventos como o Sketch Tuesdays, mensal, em que novos artistas produzem trabalhos ao longo da noite para colocá-los à venda a preços acessíveis. Comprei um desenho incrível por US$ 20 de um artista que se chama Jay Howell e que hoje já desponta no mundo das artes.

Para assistir a um filme, vá ao Red Vic Movie House, um cinema alternativo que funciona em sistema de cooperativa. Oferece tanto estreias como clássicos ou longas obscuros e raros. Eles ficam em cartaz por dois ou três dias, a seleção é boa, e a pipoca, gostosa.

Para agradecer a maravilhosa estada na cidade, não deixe de louvar à Saint John Coltrane na musical Saint John Coltrane Church. Lá, o famoso saxofonista é venerado como santo nas melhores e mais sagradas sessões de jazz da cidade. Imperdível para o corpo e para a alma, assim como São Francisco sobre rodas.

Tpm+ On the road

Quer mais? Então confira as dicas para continuar o passeio pelos arredores de São Francisco

Por Beth Slamek

Se você se empolgar com sua bike e a cidade ficar pequena, você pode ir pedalando até lugares incríveis não muito longe de San Francisco. Além da abundância de sinalização e de materiais como mapas e guias especializados, os motoristas estão acostumados e respeitam os ciclistas, fazendo com que poucos lugares sejam tão seguros e cômodos para se viajar de bicicleta. Aproveite, você está no melhor lugar para fazer isso.

Um passeio imperdível e não muito distante é atravessar a ponte Golden Gate e ir até a Stinson Beach, uma praia maravilhosa e bem selvagem. Fica a uns 30 quilômetros de San Francisco por uma estrada maravilhosa com vistas deslumbrantes da costa. Mas esteja preparado para enfrentar subidas e descidas bastante acentuadas. O ideal é ir num dia e se hospedar por lá para recuperar as energias e voltar no outro dia. No meio do caminho você ainda pode desviar para Muir Woods, um parque estadual onde você pode apreciar alguns exemplares das exuberantes redwoods, as belas e gigantescas árvores da Califórnia.

Para um nível um pouco mais avançado recomendo efusivamente descer pela Highway 1 até a região do Big Sur. Fica a uns 250 quilômetros ao sul de São Francisco, abaixo das cidades de Monterrey e Carmel, e é sem dúvida um dos trechos mais espetaculares da costa da Califórnia. A bicicleta é sem dúvida o melhor veículo para fazer esse trecho tão especial do litoral, pois a estrada acompanha o mar e dá pra parar em todos os cantos e apreciar cada pedacinho de vista. Vale ir fazendo devagar, demorando o tempo que for e ir dormindo pelo caminho. É uma paisagem inesquecível.

Em ambos os casos, ou para qualquer outra viagem que você tenha que pegar a estrada, vale ter cuidados e equipamentos especiais. Coloque um bagageiro traseiro para liberar as suas costas da bagagem, instale refletores, leve um kit de reparos, bomba e procure viajar sempre com a luz do dia. É fundamental também que você saiba reparar um pneu e fazer pequenos concertos para não ficar na mão no meio da viagem. Para saber o básico, procure por aulas de concerto e manutenção de bikes sempre oferecidas nas bicicletarias da cidade. Respire fundo e boa pedalada!

* Beth Slamek, 35, é colaboradora da Trip Editora e passa uma temporada de quatro meses na cidade. Esta é sua terceira visita a São Francisco – a primeira foi em 2002, para uma travessia de bicicleta ao longo da costa da Califórnia.