Para dar fim às relações que não nos fazem bem, é preciso encontrar vícios mais saudáveis
Minha pressão arterial aumenta junto com a frequência respiratória e meus batimentos cardíacos. Minhas pupilas se dilatam, o corpo treme, o rosto deflagra um rubor vivo. Meu apetite falta, assim como minha concentração e meu sono. E, mesmo assim, ainda me acho capaz de tudo.
Os sintomas descritos acima poderiam ser de quando estou no auge de uma paixão. E se pensarmos que podem fazer parte do mecanismo cerebral de uma pessoa viciada em cocaína? Sabe quando você pensa ter encontrado o amor da sua vida? E pede para que o amado em questão não se vá, tamanha sua necessidade dele? É a prova de que somos tão suscetíveis a pessoas quanto podemos sê-lo a uma droga. No fim, a abstinência é tão latente quanto nosso medo de ficar só.
Vivo apaixonada. Sem paixão perco as cores de todas as minhas atividades diárias. Quando percebo que corro riscos de perder esse sentimento, procuro transferir os objetos de desejo.
É um vício, e ninguém tem um só. Mas, na maioria das vezes, temos um algo de dependência mais gritante.
Quando nos apaixonamos, passamos a criar hábitos dependentes do outro. Comer e beber juntos. Só ir juntos àquele lugar, viajar, dançar, dormir. Romper esse vínculo é tão difícil quanto largar uma droga. A química que muitas vezes o sexo forma em um casal é preponderante. Por isso, o vazio pode ser derradeiro. A lacuna pode não fechar completamente, e fica sempre uma brecha para uma recaída e um sentimento de que, mesmo prejudicial, aquele relacionamento poderia ser eterno.
Não é por acaso que os hormônios responsáveis pela formação dos laços afetivos, como o da mãe com o filho, tendem a aumentar nas fases mais agudas da paixão. E a feniletilamina, uma molécula natural associada à avalanche de transformações que ocorrem conosco quando nos apaixonamos, contribui com a memória para novos estímulos. Por isso, pessoas apaixonadas costumam se lembrar da roupa e da voz de seus amados. Ficamos vidrados, na paranoia. Viramos noias.
Nos apaixonamos (e viciamos) por pessoas, por sexo, por comida, chocolate, álcool. Como romper tal prazer? Voltar à vida deixada antes de um vício é tarefa para os fortes. Procuro me encher de criatividade e força para incluir na rotina novos prazeres e preencher espaços do que quero deixar pelo caminho. Trabalho, amigos, família e, principalmente, eu. O resgate mais difícil sempre acaba sendo o de nós mesmos.
Me doo aos meus munícipes com mais intensidade, às minhas plantas, como mais rabanete, milho e alface, me entrego a bons vinhos, músicas e filmes, antigos amigos e amores.
Na Câmara Federal, faço parte de uma comissão externa que averigua processos de internação de dependentes químicos. Visitando um Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, me surpreendi mais uma vez com o fatal poder do crack. Ele sela quase que um amor à primeira vista com quem o experimenta. Lá, passei por várias mães e jovens. Algumas pessoas, de olhar vazio, só estavam ali porque alguém as levou. Alguém que ainda as reconhece como gente digna de ser preenchida. Que ainda vê no sorriso de alguém um resquício do que se foi um dia e pode ser reconstruído. Mas muito daquela gente parece ter perdido tudo.
Abismo
Estamos votando o projeto de lei que vai instituir, finalmente, uma política brasileira para tratamento de dependentes químicos.
Romper relações que não nos fazem mais bem demanda grande esforço. É um estágio em que precisamos de ajuda. De nós mesmos, do amigo e, quem sabe, poderemos contar com a do governo quando o assunto for droga.
Esse detox só acontece quando encontramos novos conteúdos para preencher o que ficou no abismo do desconsertado. Talvez, precisemos de vícios mais saudáveis para nos revigorarmos. O amor, sereno e calmo, menos inquietante e instigante que a paixão, aparece quando encontramos a maturidade para lidar com a mudança.
*Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br |