É hora de discutir os estigmas que cercam nosso ciclo, conhecê-lo mais profundamente e conviver da melhor forma com ele
Repare: em pleno 2020, apesar de diversos avanços feministas, ainda não dizemos com todas as letras "estou menstruada". Na maioria das vezes, preferimos falar que estamos "naqueles dias" ou que "desceu" como forma de atenuar o que não precisa ser amenizado. Menstruação faz parte da natureza feminina.
"Acho que cada vez mais a gente tem que falar a palavra ‘menstruação’ para desmistificar e para que as meninas mais novas não cresçam com isso", diz a ginecologista, obstetra e sexóloga Carolina Ambrogini. Para a médica, é preciso normalizar isso ainda na adolescência, dispensar aquele antigo hábito de moletom amarrado nos dias do fluxo, não ter vergonha de sair com um absorvente na mão para trocar e envolver os garotos nesta discussão. "Existe essa ideia de que o sangue é sujo, nojento, de a vulva ser algo feio. Isso vai se passando de geração para geração. Ao longo do tempo, o corpo feminino foi muito demonizado", diz Carolina. "É uma coisa muito ancestral, a gente viveu 2 mil anos com o tabu de que a menstruação precisa ser escondida."
“É justamente isso que o patriarcado e a misoginia querem que a gente esqueça: que somos deusas, capazes de criar a vida”
Mariana Stock
Mariana Stock, fundadora do Prazerela, um centro para o descobrimento do potencial orgástico, concorda: "É uma construção muito, muito antiga nós demonizarmos a menstruação e a entendermos como um fardo", diz ela. "É difícil a gente se apropriar da menstruação como algo potente, que mostra nossa fertilidade, nossa ciclicidade porque é justamente isso que o patriarcado e a misoginia querem que a gente esqueça: que somos deusas, capazes de criar a vida", completa Mariana.
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Além de repensarmos todos esses estigmas, é importante conhecer nosso ciclo, suas fases e sua influência no nosso corpo. "Nós, mulheres, somos bem flutuantes com relação aos nossos hormônios. Muitos sintomas podem estar relacionados à situação hormonal, não só à TPM, mas à fase do ciclo em que estamos", explica Carolina.
Vale então lembrar que nosso ciclo varia em média 23 e 35 dias. Ao contrário do que muitas mulheres acreditam, a menstruação acontece no início dele, e não no fim, e costuma durar entre três e sete dias. Já a ovulação, quando o óvulo maduro é liberado do ovário, ocorre entre 12 a 16 dias após a menstruação, mas isso dependendo da mulher e do mês. "Recebo muitas mulheres estressadas por conta dessa dor da ovulação, uma cólica leve que às vezes pode ser mais intensa." Outros sinais da ovulação são o aparecimento de espinhas, irritabilidade e aumento da libido. Já nosso período fértil costuma ser três dias antes e três depois do dia da ovulação. "Muitas mulheres conseguem identificar se estão férteis pelo conhecimento do próprio corpo, pela secreção vaginal, se está aquela clara de ovo", diz Carolina.
A ginecologista defende a importância de entendermos nossa secreção vaginal, algo mais normal do que imaginamos. "Só velhinhas e crianças ficam com a calcinha seca, sem produção hormonal. As mulheres acham que a calcinha precisa estar limpa, ficam incomodadas, mas é desconhecimento do próprio corpo. A vagina é uma mucosa, é úmida, sempre vai ter alguma secreção, precisa ter", explica.
Dias difíceis
A tensão pré-menstrual não é fácil para muitas mulheres, com sintomas que incluem irritabilidade, dor de cabeça, depressão, dor nas mamas, que se manifestam dias antes da menstruação. Para Carolina, é preciso primeiro classificá-la entre leve, moderada e grave. Para o último caso, recomenda tratamento medicamentoso. "As mulheres que têm prejuízos nesta fase, brigam, perdem o controle, podem usar o método anticoncepcional contínuo ou um antidepressivo", diz. "Mas é preciso entender o que é alteração hormonal e o que é uma irritação do dia a dia. Tem muita mulher que coloca toda a culpa no hormônio", diz Carolina. A atividade física neste período pode ajudar, já que é um calmante natural, pela produção de endorfina. Para combater o inchaço, Carolina recomenda drenagem linfática, diuréticos e medicamentos naturais, como óleo de prímula, além de evitar alimentos ricos em sódio.
Nossa libido também é influenciada pelo ciclo. Muitas mulheres sentem aumento do desejo sexual na ovulação, mas essa elevação também é muito comum no início da menstruação. "Os hormônios aumentam muito rapidamente nesta fase", explica Carolina. E o sexo durante a menstruação é outro tabu a ser desconstruído. "Não há problema nenhum, sangue menstrual não é sujo, é estéril, puro", diz. "A vagina fica mais lubrificada com o sangue, facilita [a relação sexual]. O único porém é o maior risco de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis pelo contato com o sangue, então é preciso se proteger, o que o preservativo resolve."
A tecnologia também pode ser uma importante aliada para conhecermos melhor nosso ciclo: há disponíveis diversos aplicativos gratuitos que ajudam a monitorá-lo, mostrando o período fértil, possíveis mudanças físicas e de humor e avisando sobre os dias do fluxo. Mas cabe também a nós esta observação diária, além de deixarmos no passado tantos tabus que nos cercam há séculos.