Com mais de 8 milhões de seguidores, ela fala sobre a vida antes da fama, haters e os desafios das mulheres no humor: ”Quando posto uma foto de biquíni perco 10 mil seguidores”
Foi ao ver um vídeo de Whindersson Nunes na internet que Gessica Kayane percebeu que poderia fazer humor de sua casa na cidadezinha de Solânea, no interior da Paraíba, com os poucos recursos que tinha. "Vendo ele gravando sem camisa, no quarto, todo bagunçado, pensei que isso eu conseguiria fazer", conta ela, que publicou seu primeiro vídeo cinco anos atrás. O sonho de ser famosa se realizou mais rápido – e foi ainda maior – do que ela imaginava: aos 27 anos, a humorista alcançou um milhão de inscritos em seu canal no YouTube e oito milhões de seguidores no Instagram.
Além dos vídeos que posta nas redes sociais, Gkay, como é conhecida, também interpreta a personagem Jennifer no programa da Multishow Os Roni, que tem no elenco os humoristas Whindersson Nunes e Tirullipa. Além da TV, a paraibana já gravou um filme para a Netflix, que ainda não tem data de lançamento.
Viciada em redes sociais, Gessica já cansou de ler comentários questionando-a por não se encaixar em nenhum estereótipo feminino no humor. "Ou é aquela mulher gostosona e burra ou é uma mulher que é lida como desleixada, feia", diz. Ela já percebeu que não pode publicar conteúdos semelhantes aos de seus colegas homens sem enfrentar as consequências. "Quando posto uma foto de biquíni perco em média 10 mil seguidores", conta. "Tenho limitações dentro da minha própria profissão pelo simples fato de ser mulher."
Apaixonada por São João, Gkay apresenta nesta quinta-feira (25), a partir das 20h, o Festival São João, que rola em seu canal no YouTube e conta com lives de artistas como Preta Gil, Elba Ramalho e Dorgival Dantas. No papo com a Tpm, a humorista fala sobre exposição na internet, haters e o que aprendeu com a vida antes da fama: "Quando uma pessoa fala que não vai no meu show porque o ingresso é 30 reais e isso é muito para ela, eu entendo. Porque 30 reais já foi o dinheiro que eu tinha para passar a semana."
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Tpm. Como surgiu a ideia de postar vídeos no YouTube, em 2015?
Gessica Kayane. Desde criança, na escola, eu sempre tive um jeito muito espontâneo, muito brincalhão. E muitas pessoas diziam que eu tinha que ser atriz ou blogueira. Só que na minha realidade, morando no interior da Paraíba, nunca tive recurso para nada e isso era algo muito distante. Eu não tinha roupa nem para usar, imagina para fazer foto para o Instagram. Eu não via possibilidade. Até o dia em que meu irmão me mostrou um vídeo do Whindersson Nunes. Vendo ele gravando sem camisa, no quarto, todo bagunçado, pensei que isso eu conseguiria fazer. Pedi uma câmera emprestada, consegui um editor, gravei o primeiro vídeo e postei no YouTube. Foi assim que eu comecei na internet. Lembro que eu dizia que dali a 10 anos eu desejava ter um milhão de seguidores, mas nunca imaginei que aconteceria tão rápido como aconteceu. Nesses últimos quatro anos, muita coisa mudou na minha vida.
Você já trabalhou em shopping e começou a cursar Direito e Relações Públicas antes apostar na internet. Quando decidiu que ia seguir o humor como carreira? Eu nem cheguei a decidir que ia largar tudo e viver de internet, eu fui levada. Eu postava vídeos no YouTube, mas continuava estudando, trabalhando em loja, no shopping, entregando panfleto, porque eu não achava que ia ter sucesso. Só que teve um momento em que eu estava começando a ganhar um dinheiro com a internet e achei que era a hora de me entregar de vez. As coisas começaram a acontecer, as pessoas começaram a me seguir cada vez mais. Até que não tinha mais tempo nem para a universidade e larguei tudo.
Como foi a experiência de trabalhar como atriz? Eu sou muito viciada em cinema, sempre foi algo que me encantou. E meu maior sonho era fazer filme, ser atriz. Quando surgiu a oportunidade do Multishow, eu fiquei muito feliz de trabalhar com os meus ídolos. Fazer a série com os três, Carlinhos Maia, Whindersson Nunes e Tirullipa, foi incrível pra mim. O Carlinhos já era meu amigo, o Whindersson era meu grande ídolo e o Tirullipa se tornou meu irmão. E surgiu em seguida a oportunidade do filme Netflix. A internet abriu portas para algo que eu sempre sonhei.
Você sentiu muita diferença da TV para a internet? A TV é completamente diferente, é mais engessada, tem protocolos. Mas foi algo que amei, porque é muito incrível você passar vários dias construindo uma coisa e depois vê-la pronta. Na internet não, é tudo muito instantâneo. É muito bom também atingir outro público, já fui parada no supermercado por avó falando que era a menina da série do Multishow. É incrível você chegar em outros lugares, em outras realidades. Mas eu acredito que você nunca pode esquecer de onde veio. Se tudo se acabar, eu ainda vou ter as minhas redes sociais. E a internet me torna independente, posso postar e ser o que eu quiser. Não quero nunca perder essa liberdade.
No seu tempo off, você gosta de ficar longe do celular? Eu tive que pedir ajuda para o meu terapeuta para sair das redes sociais. No meu tempo livre, principalmente antes de dormir, eu fico muito no celular, sou muito viciada. Mas se eu não tiver algum trabalho num domingo que seja, eu paro, fico assistindo série, porque é importante para a saúde mental. Mas se tiver alguma coisa legal no dia, vou ver, vou fazer. Quando você descobre o que você ama, o que você gosta de fazer, isso ajuda muito. Produzir conteúdo na internet, para mim, não é trabalho. É uma diversão, é maravilhoso.
Você faz muitas fotos e vídeos por dia. Como lida com a exposição? Eu exponho muito da minha vida nas redes sociais, mas tem coisas que guardo para mim. Principalmente pessoais, como relacionamentos. Eu ainda não consigo me libertar tanto sobre isso na internet porque é muito complicado, envolve outra pessoa. Além de, às vezes, você ficar muito associada a isso e esquecerem um pouco do seu trabalho. Também tenho uma parte muito introspectiva, de gostar muito de ler, de estudar, que não mostro na internet, porque eu sei que é um conteúdo que a galera não quer ver.
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Você sente que ainda existe uma resistência em relação às mulheres no humor? Na verdade, muitas pessoas nem levam a sério mulher no humor. Eu já vi muito comentário falando que mulher não faz humor, não é engraçada. E isso acontece, infelizmente, porque foram criados estereótipos. Ou é aquela mulher gostosona e burra ou é uma mulher que é lida como desleixada, feia, até masculinizada. Quando surge alguém para fazer um humor de uma forma diferente, recebe muitas críticas. Quando eu comecei a treinar e fazer plástica, por exemplo, eu recebia muitos comentários dizendo que não tinha nada a ver uma humorista fitness, que eu estava ficando bonita demais para fazer humor. Mas eu me sinto rompendo barreiras, principalmente, e até abrindo caminho para outras meninas que têm vontade de fazer e não têm coragem. Eu recebo muitas mensagens de meninas dizendo que se inspiram em mim.
Você vê muitas limitações no humor para as mulheres? Eu vejo muita diferença do humor dos homens para o das mulheres. Eu fico fazendo uma análise de conteúdo dos meus amigos homens e, se eu fizesse o mesmo, seria muito criticada. Para dar um exemplo: o Tirullipa e o Whindersson têm uma foto muito engraçada que são eles no jardim pelados. Essa foto é viral, muita gente usa até hoje e acha super divertido. Se fosse eu e o Whindersson fazendo essa foto, acabaria para mim. É tão bizarro, porque tenho limitações dentro da minha própria profissão pelo simples fato de ser mulher. Nunca falei isso, mas quando posto uma foto de biquíni perco em média 10 mil seguidores. É triste porque você fica limitada. Tem coisas que você pode fazer – graças a Deus, porque as mulheres podem fazer o que quiser –, mas sabe que vai ter que aguentar muitas consequências.
E haters, você tem muitos? Como lida? Eu nunca tive muito problema com hater. Os haters que eu tenho são pessoas dizendo que sou forçada, que não sou engraçada. E eu ignoro totalmente porque eu penso que, se tem tanta gente que gosta de mim, que admira o meu trabalho, eu não devo ligar para pessoas que às vezes querem só ganhar atenção ou jogar em você uma dor que elas estão sentindo. Porque às vezes o que a pessoa fala de você é mais sobre ela do que sobre você. Eu tenho consciência dos meus privilégios e tenho noção que uma pessoa que comentou algo negativo pode estar passando por um momento ruim e, sem querer, descontar isso em mim. Eu entendo essa projeção que a fama traz, é como se a gente vivesse em um aquário.
Qual a melhor coisa que a fama te trouxe? A tranquilidade para minha família. A gente sempre passou por muita dificuldade financeira, o problema era sempre a falta de recursos. Nunca cheguei a passar fome, mas era muito triste ver minha mãe e meu irmão precisando de coisas e não poder dar isso pra eles. Poder hoje proporcionar uma casa confortável para a minha família, o dinheiro não ser mais o problema, é meu maior presente.
Você acredita que ter passado por essas experiências te faz uma pessoa diferente? Eu tenho muita noção do valor do dinheiro, não sou uma pessoa que vive ostentando, gastando. Hoje, quando uma pessoa chega para mim e fala que não vai no meu show porque o ingresso é 30 reais e isso é muito para ela, eu entendo. Porque 30 reais já foi o dinheiro que eu tinha para passar a semana. Isso é bom, porque a fama é uma coisa que ludibria muito. A partir do momento que você consegue ter o pé no chão, lembrar do que é a vida real, ajuda muito. Eu tive uma realidade muito parecida com a da maioria da população brasileira. De fazer faculdade e passar perrengue, de trabalhar em shopping, de pegar busão lotado, de contar moeda. Eu entendo dessa realidade que eu falo sobre porque é uma realidade que já vivi.
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Como tem sido a quarentena? É um momento que está sendo difícil para todo mundo, muitas coisas foram canceladas e tudo mais. Eu costumo dizer que estou vivendo um dia de cada vez. Tem dias que eu acordo muito bem, e aproveito ao máximo, tem outros que eu acordo muito pra baixo, e respeito esse momento. É um momento em que temos que respeitar a nossa saúde mental e não ficar se cobrando.
Você vai apresentar uma live do Festival São João, com Preta Gil, Elba Ramalho e Dorgival Dantas. Como essa data é importante para você? Eu sou do Nordeste e, para mim, o São João é tudo. Quando a gente fala de São João, não é só da festa. É um ponto de geração de renda da região. Quantas famílias não dependem desse período, só faturam nesse período? Eu vim do interior e lembro que várias lojas só vendiam duas vezes no ano, no São João e no Natal. Eu sei a importância disso para a gente. Ficar sem a celebração este ano foi um luto para o Nordeste, porque é a nossa cultura.
Há uma geração muito forte de humoristas vindos do Nordeste. Como você se sente? Eu fico muito feliz, principalmente porque vejo que estão surgindo meninas. O Nordeste sempre foi uma região marginalizada, que sofreu muito preconceito. As pessoas tratam o Nordeste como algo muito específico, e ele agora está tomando conta do Brasil. Eu já vi muitas pessoas dizendo que é um humor específico do Nordeste. Não, humor é humor em qualquer lugar. Se você riu e se divertiu com aquilo, é humor.
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