Na 3ª edição da Marcha das Vadias de São Paulo, mulheres tomam as ruas pra protestar contra a violência
São Paulo, sábado, 25 de maio, meio dia em ponto: dois dias depois de uma psicóloga denunciar ter sido vítima de estupro quando seu carro havia quebrado e ela esperava por ajuda em um trecho da Marginal Tietê; na Praça dos Ciclistas (encontros das avenidas Paulista e Consolação) um grupo de mulheres munidas de batom, tinta, cartolina e pincéis, se reúne. Concentradas, escrevem cartazes e pintam o corpo – muitas vezes seminu – com frases que gritam respeito, pedem igualdade e rejeitam o lugar que não querem mais, o de culpadas. Elas estão alí pra terceira edição da Marcha das Vadias de São Paulo, que desta vez protesta pela quebra do silêncio na violência contra a mulher. Algumas são ativistas, fazem parte de coletivos feministas, outras são garotas comuns, estudantes, jornalistas, publicitárias, professoras, mas que compartilham o simples fato de serem mulheres e por isso não estão livres de situações de assédio.
"Não é mais possível, cabível, que a mulher e seu comportamento sejam usados como desculpa para a violência. O único culpado é o agressor, precisamos sim fazer muito barulho"
O mobilização, que caminhou da Avenida Paulista, passando pelo Baixo Augusta e terminou na Praça Roosvelt, moveu cerca de 1,5 mil manifestantes, segundo dados da Polícia Militar de São Paulo. Durante a passeata, o grupo gritou palavras de ordem contra o machismo, homofobia e pelos direitos humanos. Ainda, os manifestantes afirmaram que são contra o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. "Sou mulher, sou gay, sou preta. Feliciano não me representa." A manifestação terminou com uma grande roda, no meio da Praça Roosvelt, onde meninas relatavam depoimentos sobre agressões que viveram ou souberam.
O evento atraiu a atenção de curiosos e despertou empatia em muitos que passavam pela região. Os estudantes brasilienses, Lucas, Igor, Rodrigo e Thiago parabenizaram a ação e concordaram que os protestos devem acontecer com maior frequência. "É importante trazer o assunto para a rua. É um absurdo alguém achar que a mulher provoca a violência. Existem limites e as pessoas se acostumaram com a falta deles", disseram.
Para as organizadoras da Marcha, que tem sua origem e ganhou força na Internet, é essencial abrir a boca além do ambiente virtual e tomar as ruas. "A Marcha das Vadias é uma resposta à ideia de que mulheres são culpadas pela violência que sofrem. Aqui, reivindicamos o direito pela autonomia sobre nossos próprios corpos e rechaçamos o pensamento de que a roupa ou o comportamento sejam usados como motivos para justificar qualquer tipo de agressão. Os dados em relação à violência contra a mulher são alarmantes. Não é mais possível, cabível, que a mulher e seu comportamento sejam usados como desculpa para a violência. O único culpado é o agressor, precisamos sim fazer muito barulho", declaram.
Aconteceu comigo também
Mayara, Aline, Verena, Érika, Hana, Laíza, Katiuscia e Clara são alguns de seus nomes. E naquela tarde marchavam por suas histórias, e pelas histórias de Elisa Samudio, Maria da Penha, das índias guarani-kaiowá e da mesma psicóloga citada no começo deste texto. Nenhuma delas é imune à violência, seja ela sexual, física ou psicológica, todas as meninas abordadas pela reportagem da Tpm durante a marcha disseram que já foram vítimas de violência de cunho sexista. E entregaram: pensam duas vezes antes de escolher a roupa que vão vestir, justamente pra evitar abordagens indelicadas e por medo de estupro.
Mayara Moreira, 25 anos, administradora da página do Facebook O machismo nosso de cada dia e uma das organizadoras da Marcha contou de uma das experiências que viveu e que a fez lutar pela causa feminista: “Fui ao cinema de saia e estava sozinha. O cara da poltrona da frente olhou para trás, viu que estava sozinha e se mudou para a cadeira do meu lado. Achei estranho, mas a gente aprende que é melhor não fazer nada nessas situações. Quando olhei, ele estava batendo uma punheta. Na hora não tive reação, peguei minhas coisas e saí da sala. Me senti culpada, impotente só por estar de saia.”
"Há mais ou menos um ano, eu estava sozinha à noite, indo a pé para uma pizzaria com um vestido curto. Um cara veio e meteu a mão. Corri até o banheiro da pizzaria para chorar"
A funcionária pública Aline Avellar, 24 anos, disse que não tem um dia que deixa de pensar antes de colocar uma roupa curta ou vestido. “Às vezes se você veste uma roupa que cobre menos, os caras se sentem no direito de olhar de um jeito diferente. Há mais ou menos um ano, eu estava sozinha à noite, indo a pé para uma pizzaria com um vestido curto. Um cara veio e meteu a mão. Corri até o banheiro da pizzaria para chorar."
Katiuscia Esposito, 28, marchou com a filha Sofia, de dois anos, nos braços. Ela sentiu na pele, da pior forma possível, a violência pela qual a Marcha das Vadias protesta. “Quando eu tinha 16 anos, trabalhava em uma loja e o meu chefe dava em cima de mim. E eu não tinha desenvolvimento sexual nenhum, nunca tive nenhuma orientação sexual. Eu tive uma atração por ele, e aí eu acho que ele percebeu isso, só que ao mesmo tempo em que estava confusa porque sentia atração por ele, ele meio que forçou a barra. E o pior de tudo é que ele era meu chefe e eu vi isso como um tipo de ascensão no lugar que eu trabalhava. Então me senti bem mal por meio que vender o meu corpo, fazer sexo que eu não queria, foi tudo muito embrulhado e confuso, sabe? E isso fez com que eu tivesse um distúrbio alimentar, ou pelo menos piorasse alguma coisa que eu já tinha antes. E eu só consegui me curar desse distúrbio 10 anos depois. Eu nem tinha concebido isso como um estupro, justamente porque eu tinha essa queda por ele. Eu só fui ter a consciência de que era um estupro muito tempo depois, depois de começar a estudar o feminismo – por isso o feminismo é tão importante pra mim. E eu marcho por causa disso, para que minha filha não tenha que passar por esse tipo de coisa.”
Laura Carvalho, 30, e a irmã Thaís Carvalho, 31, não se conformam. "Cansei de levar cantada malcriada e grosseira desde criança. Não deixo passar, não me sinto culpada. Devolvo na mesma moeda". Laura tem uma história recente de assédio em um ambiente que ama, o clube de natação que frequenta. “Nos sábados costumo nadar, e um dos professores começou a dar em cima de mim. E existe um limite na cantada. Você tá na natação, e você tá muito exposta alí, de maiô e tal. E ele insistiu muito. Acabei abrindo o jogo e ele me disse que pensava que as mulheres gostavam de serem olhadas”, contou.
"O homem se preocupa antes de sair pra rua se pode ser assaltado, se corre o risco de perder a carteira, o celular. A mulher se preocupa com tudo isso e mais com o fato de se vai ser estrupada, se vai voltar viva pra casa"
Roberta Smith, 26, foi casada por três anos, com a separação o ex-marido perdeu o controle. Ela foi agredida algumas vezes por ele, denunciou as agressões mas nunca se sentiu protegida. "Não adiantou nada. Você vai à delegacia e te questionam mais ainda por você estar lá. Te fazem se sentir culpada por ter apanhado". Giovana Hamada, 26, sofreu da mesma questão. Agredida em uma festa de formatura em São Carlos, interior do Estado, a estudante levou o caso até a delegacia da mulher e se sentiu questionada pela instituição. "Tive que agir sozinha, encontrei com quem fez isso comigo depois e lavei a alma, fui pra cima dele".
Lia Júpiter, 34, tem uma coleção de histórias, suas e de amigas, que "infelizmente se tornaram frequentes". "O homem se preocupa antes de sair pra rua se pode ser assaltado, se corre o risco de perder a carteira, o celular. A mulher se preocupa com tudo isso e mais com o fato de se vai ser estrupada, se vai voltar viva pra casa".
"Não precisamos ser recatas, dosar nossas roupas ou atitudes. Precisamos ser respeitadas. Nossa cultura é uma cultura de violência à mulher. E isso tá tão entranhado, as pessoas estão tão acostumadas com esse machismo que não percebem a violência" (Clara Averbuck)
A escritora Clara Averbuck, 33, foi violentada aos 13 anos, em uma festa por um grupo de meninos. "Alí começou minha indignação, e definiu todas as próximas atitudes da minha vida. Inclusive, as mulheres precisam entender que não são culpadas por nada. Não precisamos ser recatas, dosar nossas roupas ou atitudes. Precisamos ser respeitadas. Nossa cultura é uma cultura de violência à mulher. E isso tá tão entranhado, as pessoas estão tão acostumadas com esse machismo que não percebem a violência. Precisamos fazer muito barulho ainda, o buraco é muito mais embaixo. Cantada na rua não é pra existir. O limite é esse: não fale comigo se não pedi".
Vai lá: Marcha das Vadias de São Paulo no Facebook www.facebook.com/MarchaDasVadiasSP
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