Flávia Flores encontrou na beleza, e no contato com leitoras, a força para lutar contra o câncer
Quando recebeu os resultados dos exames, a empresária Flávia Flores, 36 anos, mal conseguia respirar. O diagnóstico, de outubro de 2012, era de um câncer de mama. “Passa um monte de coisas na nossa cabeça. Que o mundo acabou, você acha que vai morrer, definhar, que os médicos não estão falando a verdade para a gente”, relembra. “Daí chorei, como todo mundo. Como iria passar por essa fase?”.
A resposta viria um mês depois, com a fanpage Quimioterapia e beleza, no qual a catarinense compartilha a rotina do seu tratamento (o primeiro post é do dia em que fez a mastectomia, em novembro) e conta as dicas que beleza que tem descoberto nesses últimos meses. Hoje com mais de 25 mil seguidores no Facebook, a página se transformou uma verdadeira rede de apoio para mulheres que lutam contra o câncer. E Flávia, que tinha tanto medo quando recebeu o diagnóstico, hoje é um exemplo. “Fico feliz pelo feedback que recebo. Tem cada comentário lindo, agradecendo. É muuuuito bom. É o que precisava pra me dar mais força”, se anima.
É sobre esse assunto que ela fala por telefone à Tpm, com naturalidade impressionante, poucas horas depois de enfrentar uma sessão de quimioterapia.
Tpm. Mas, Flávia, você está tão bem! A gente imagina que os pacientes saiam passando mal de uma sessão de quimioterapia...
É que já estou meio calejada, sabe? Nas primeiras, não conseguia nem falar. Saía tipo blergh [imita o som de alguém passando mal]. Estou um pouquinho devagar, mas não tanto como eu ficava.
Puxa, mas longe de mim te atrapalhar...
Não, imagina! Você não tá atrapalhando.
Flávia, como você recebeu o diagnóstico? Imagino que tenha sido um momento delicado.
O diagnóstico de câncer é uma coisa muito difícil. E a maioria recebe essa noticia com o maior desespero. Você acha que seu mundo acabou, que vai morrer, definhar, que os médicos não estão falando a verdade pra gente. Passa um monte de coisa na nossa cabeça. Ninguém recebe o diagnóstico facilmente. Daí chorei, como todo mundo, durante dez dias. E depois eu comecei a procurar na internet algumas dicas de beleza. Como eu iria passar por essa fase? Não queria me sentir feia, como os médicos falaram que eu ia ficar.
Principalmente para você, que já foi modelo e trabalhava com moda e beleza, né? Trabalhava como modelo e depois com marketing, mas sempre na área de moda. Minha carreira de 20 e poucos anos de trabalho sempre foi na área de moda. Realmente, a gente é muito cobrada para ser magrinha, bonita e sempre bem arrumada. Na real, não fiquei com medo de morrer. Ficava com medo de não poder me olhar no espelho. Queria sair, queria chamar atenção na rua. Não por estar doente, mas por estar bem resolvida, feliz. Colocava o lenço e me achava liiinda [estica bem na letra “i”]. Isso achou muito meu tratamento. Isso veio naturalmente, sempre trabalhei com moda, tinha medo do que o mercado ia achar de mim. Queria ficar ótima. Sabia que não ia aguentar se me sentisse feia, seria pior o meu tratamento.
E como você foi descobrindo as dicas de beleza?
Procurava no Google e não tinha nada. Zero, zero de informação. Não existia uma matéria sobre isso, quase todas as imagens eram de pessoas acabadas pela quimioterapia. Fui descobrindo que poderia continuar usando os cosméticos que usava, não tive alergia a nada, Normalmente não dá alergia, a não ser que a pessoa já tenha pele sensível. É só não usar maquiagens velhas, com prazo vencido. Passei a usar muito cílios postiços, coisa que não usava. Eu perdi todos os pelos, os cílios, as sobrancelhas, né? Completamente. Tenho que fazer a sobrancelha de novo com maquiagem, coloco cílios, passo blush. A gente perde a vitalidade da pele, é bem estranho.
me procuravam porque elas também não tinham uma resposta, uma receita de bolo pra gente passar essa fase com autoestima"]
Como começou a compartilhar as dicas na internet?
Na real, no começo não quis que virasse sucesso. Nem imaginava a repercussão. Fiz só para mostrar pros meus amigos que eu estava bem, me alimentando direitinho e de bom humor. Queria que as pessoas ficassem perto de mim. Depois vi que muitas das mulheres me procuravam porque elas também não tinham uma resposta, uma receita de bolo pra gente passar essa fase com autoestima.
No fim, acabou virando uma comunidade mesmo, né? Vi um post em que você agradece a dica de uma amiga, que repassou na internet.
Sim, elas passam suas dicas também. Não ajudo só as pacientes, ajuda as famílias, os amigos, ajuda muita gente. Porque se você tem alguém se vitimizando, todo mundo ao redor fica triste. Mas se a gente tá de alto-astral, todo mundo fica bem.
Acha que as mudanças no corpo por causa da quimioterapia no corpo são mais pesadas para a mulher?
Com certeza. Os homens não precisam desses artifícios de beleza. O cabelo cai, eles ficam carecas, é mais tranquilo. Já as mulheres, não. Elas usam lenços, turbantes e todos esses truques que fazem bem pra ela. É sempre uma questão de autoestima. Você pode perder os cabelos, a forma, a cor. Mas você nunca pode perder tua autoestima. Isso é de verdade, porque se você perde, parece que está morrendo.
Como está seu tratamento?
Fiz mastectomia, perdi cabelo, não foi fácil. Tirei os dois seios, mas fiz com reconstrução. Mas mesmo assim, não é meu seio ali. É todo estranho, todo duro. É minha feminilidade também. Descobri o câncer em outubro, em novembro, fiz mastectomia nos dois seios. Só tinha tumores em um deles, mas minha médica achou melhor fazer nos dois por precaução, para não voltar. É que nem a Angelina Jolie. Provavelmente ela teria câncer de mama, mas como ela retirou os dois seios, não vai ter mais.
E olha que muita gente criticou a atitude da Angelina. Você acha que ela estava errada?
Não, não. Minha médica, quando fiz, falou que tiraríamos a outra mama por precaução. Pela minha idade, pelo grau do câncer, provavelmente voltaria. E o bom que ela fez foi antes de ter, né? Como ela tinha na família vários casos de morte por causa do câncer, foi supercerta. Se ela ia ter, por que ia ficar com câncer, fazer quimio? Era só tirar. Faz muito sentido.
E agora, já está cem por cento?
Não, tem muita quimio pra fazer ainda. Vou fazer quimio até março do ano que vem. E depois da quimio, tem a rádio, mais 30. E depois cinco anos tomando remédio. É uma longa batalha pela frente.
E depois que tudo isso acabar, vai continuar com o blog? Como você se imagina depois?
Com certeza. Quero trabalhar com comunicação sempre. Estou adorando escrever, não sei, quero continuar fazendo vídeos para internet sobre isso, continuar falando de saúde e autoestima. Não sei ainda como, mas é minha missão. Ainda tem muita coisa pra falar.
Você se sente um exemplo?
Fico feliz pelo feedback que recebo, cada comentário lindo, agradecendo. É muuuuito bom. É o que precisava pra me dar mais força. Todos os dias aparece uma história incrível. Não consigo nem apontar uma. São mulheres abandonadas pelo marido, pela família. Tem mulheres muito vaidosas que não queriam fazer quimio pra não perder o cabelo. Tenho ajudado elas, dizendo que ficam bonitas careca, dando coragem. Acredita que nesse tempo nunca vi nenhuma delas morrer? Parece que eu seguro elas, é incrível. Pensei assim, quando tinha 500 seguidoras: daqui a uns meses, elas podem morrer... Mas é incrível, tá todo mundo bem, feliz, encarando o tratamento com força. Nos meus exames, a imunidade está lá em cima. Isso é reflexo dessa energia tão boa ao meu redor.
E quais são suas dicas essenciais?
De vida, nunca se afastar dos amigos e da família. Você não pode deixar isso acontecer, você tem que querer as pessoas perto de ti e quem tá perto de ti quer teu bem. E de beleza, acho que os cílios postiços. É o que mais gosto de usar, fica lindo. Tira aquela cara de bicho da goiaba. E passar um blushzinho, também.
Como é sua rotina?
Está corrida. Dou entrevistas, faço programas de TV, divulgo o blog em hospitais. Quero desmistificar o câncer, porque cada dia tem mais casos e a gente vai ter que conviver com isso. Estou tentando mostrar que o tratamento é difícil, mas não é impossível.
Você está namorando?
Não, não namoro. Ele me deixou quando fiquei com câncer. Quando descobri, ele me bloqueou do Facebook. Mas depois arrumei outro, que também não deu certo.
Você tá brincando...
Verdade.
Mas azar o dele, né?
Ah, é! E o que tem de mulher abandonada depois de saber que tem um câncer... É bem comum.
Imagino que tenha sido bem difícil pra você.
É, a hora que eu mais precisava de apoio, teve abandono [risos].
E agora, bonitona assim, o que você gosta de fazer?
Na real, não vou pra balada porque tenho preguiça. E ando trabalhando tanto. Mas tá legal, viu? Rola sempre umas cantadas por aí. Meu... Sempre [risos].