Quando você realmente é feliz?

por Maria Ribeiro
Tpm #98

Com três homens em casa descobri que quem gosta de futebol é feliz aos domingos

Foi num papo às duas da manhã, alta madrugada para uma preguiçosa como eu, numa pizzaria vazia e triste, que surgiu entre nós a questão: “Quando é que você realmente se diverte?”. Não, se diverte soa frívolo. “Quando você realmente é feliz?”

Éramos três: uma amiga animada, um ex-namorado deprimido e eu. Decidimos fazer listas. As grandes alegrias. As dez mais da vida. É incrível como a possibilidade de colocar sentimentos em tópicos tranquiliza um ansioso, por isso comecei.

Saber a letra de uma música inteira quando ela toca no rádio e te dá a mão. Principalmente quando se está sozinha numa estrada e dá pra cantar bem alto. Legião Urbana, Smiths, Los Hermanos... O rock salva. A música faz a vida fazer sentido. Concordamos todos. Esse seria o item número um do nosso CVV.

Continuei: quando vou fazer carteira de identidade ou vou ao McDonald’s e vejo que ainda existem lugares em que os homens são iguais e que as classes sociais se misturam. Acho emocionante a expressão das pessoas na hora de receber documentos como título de eleitor. Há uma esperança naquele pedaço de papel verde como haveria em crianças diante de um rei.

Quando estou com a roupa certa e o cabelo perfeito e encontro na rua aquele cara que não me deu bola quando eu tinha 15.

Quando penso que vivo num mundo onde existe a penicilina, os antidepressivos e a anestesia peridural. Deus abençoe esses homens iluminados.

Quando aprendo alguma coisa. Uma ideia de um filósofo ou o nome de um passarinho. Meu amigo Domingos Oliveira já dizia que a fonte do prazer é a fonte do conhecimento.

O meu amor. Porque chegar ao fim de um dia e saber que alguém vai ouvir tudo de insignificante que me aconteceu nas últimas dez horas faz a vida valer a pena.

Filhos. Porque são a única arma contra a morte, além de ser uma delícia. Cazuza já havia dito: “Só as mães são felizes”.

Minha amiga me parou. “Você tá muito cabeça. Vou dar minha lista: cortar o cabelo bem maluco, nadar, empadinha de queijo, Avatar 3-D, pôr do sol na praia, dançar [ai, que inveja!], primeiro ano de namoro.”

Meu ex-namorado quis levantar. “Você não conta, Luciana, ninguém é feliz assim. E esse papo de lista é deprimente, já bastam os livros com as 100 viagens e as 50 músicas e os 200 poemas. Você tem que falar de momentos de transcendência. Vou falar três: andar de bicicleta ouvindo música clássica, ir ao cinema e ver meu time jogar.”

Concordei. Nunca liguei pra futebol e sempre tive inveja da Milly Lacombe, não só porque os seus textos são perfeitos e me deixam rindo e chorando ao mesmo tempo, mas porque quem gosta de futebol é feliz aos domingos. Mas hoje, com três homens em casa, um mundo novo se abre para mim. Já sei o que é gol de trivela e começo a me comover com a meninice do Neymar.

Minha amiga começou a enumerar seus últimos itens quando me dei conta de que ali, entre dois grandes amigos, falando besteira e rindo, eu era totalmente feliz. E que, mesmo quando fiquei um pouco triste, sempre achei que tinha sorte por ter amigos, saúde e chocolates.

E outro dia, vendo o Fluminense jogar contra o Confiança de Sergipe como quem vê um jogo da Copa, me lembrei de alguém ter dito que só as pessoas felizes têm direito à felicidade. Acho que eu concordo.

Foi 2 a 0. Jogaço.

Maria Ribeiro, 34, é atriz e diretora do documentário
Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e está em filmagem de Tropa de Elite 2. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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