NY e suas calçadas adaptadas lembram que o Brasil tem um longo caminho a ser percorrido
Como tinha cinco dias disponíveis sem votação, resolvi passá-los em Nova York. Além do prazer de passear por lá, ainda tem aqueles itens imprescindíveis para minha vida, como suplementos nutricionais, vitaminas, eletrodos, cintas modeladoras, cremes etc., que custam no mínimo cinco vezes mais no Brasil.
É uma vergonha, para nós brasileiros, termos que conviver com esses preços que são praticados em nosso país.
Quando chegamos em cidades como Nova York e Miami, parece que a língua materna é o português do Brasil. Brasileiros cheios de sacolas nas lojas de moda, de eletrônicos, de alimentos, de suplementos, de CDs, DVDs e games, farmácias... Como se tudo de qualidade que não podemos pagar estivesse fora – e dentro do país, o que não presta.
Mas, o que me é mais encantador em Nova York, além da infindável oferta cultural, é a facilidade de deslocamento. Qualquer um tem essa facilidade lá, mas eu, com a cadeira de rodas, circulo em praticamente 100% das calçadas e, quando canso, basta pegar qualquer ônibus, pois todos são acessíveis. Enquanto isso, no mesmo dia em São Paulo, aconteceu o maior congestionamento da história, mais de 300 quilômetros. Se por um lado se facilita a compra de automóveis, não se fazem na mesma proporção requalificação viária, investimento no transporte público e calçadas. Longe disso!
Essa situação me incomoda tanto que, além de ter feito uma lei na cidade de São Paulo que obriga a prefeitura a fazer calçadas em rotas de serviços – pois em todos os municípios do Brasil o responsável pela calçada é o proprietário do imóvel lindeiro à calçada –, protocolei a mesma proposta para todo o Brasil. Fiz parceria com o Ministério Público para que ajude na fiscalização, levei aos tribunais de contas do município e do estado uma campanha para que não se aprove conta de secretário ou prefeito que desobedeça legislação de acessibilidade, criei os guardiões das calçadas, uma equipe do meu gabinete que faz vistoria de calçadas, muitas vezes com munícipes, e entrega ao prefeito e secretários. Recentemente entrevistei todos os candidatos à prefeitura de São Paulo na rádio Estadão ESPN, perguntando quantos quilômetros farão de calçadas.
Se você, leitor, tiver mais alguma ideia de como fazer para que este país faça calçadas acessíveis pra todo mundo, me escreva, por favor.
Justificativa falha
O Melo foi me encontrar por lá, e, em nosso primeiro passeio, algo de muito impacto habitava a calçada. Era uma negra bonita com uma prótese de titânio no lugar da perna. Ele disse: “Como mostrou a Paraolimpíada, fica sem razão alguém pedir dinheiro só porque não tem perna”.
É fato, a menos que sequelas invisíveis dominem a situação, as visíveis não mais justificam. Estamos na era do inconcebível.
Outro dia fui a uma loja Loungerie recém-inaugurada. Na hora de pagar, uma escadaria. Será que acham que cadeirante não paga ou não usa calcinha?
Dilma, governadores, prefeitos, parlamentares, empresários e a quem mais servir... Que tal deixarmos de ser paisinho para virarmos gente grande? Para isso não é preciso dinheiro, basta ter postura.
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br