Ser companheira dos meus medos e dar a mão a eles foi a coisa mais bonita que aconteceu
Um pouco mais ambicioso no seu plano de hedonismo sem culpa, meu filho mais velho atingiu o ápice da revolução. Fanático por futebol e videogame, escalou do alto dos seus 8 anos o seguinte time pra jogar com ele no Playstation: Fernando Torres, Messi, Neymar, Pato e Cristiano Ronaldo. Todos, que fique claro, com a camisa do Fluminense.
Decidi fazer o mesmo e passei a avisar a algumas pessoas que sem elas não sou ninguém: Marcella, Fernanda, Carol, Monica, Isabel, isso para resumir. Também preciso me entorpecer de vez em quando e mantenho um calmante na carteira para o caso de dor no peito, pane no elevador ou se tiver que andar de avião.
Estaria mentindo se dissesse que preciso de pouco pra ser feliz. Mas desde que fui capaz de identificar meu material genético de carências meus dias ganharam algumas preciosas horas. E como o tempo é o deus no qual acredito, meu presente é repleto de espiritualidade. Os itens acima, por exemplo, formam a atual ideia de paraíso ao qual anseio encontrar no fim de um dia de trabalho e foram escalados com atenção por uma dupla infalível para ajudar na jornada: cérebro e coração.
Porque para quem tem o péssimo hábito de pensar em tolices, como o sentido da existência e os buracos negros do universo, ir à feira e tomar sol já aquecem o coração. Assim como exercício físico passou de desespero mortal a prazer absoluto (por pura insistência), descobri que confeccionar álbuns me faz tão bem quanto Machado de Assis.
O homem é projeto
Ser companheira dos meus medos e dar a mão a eles foi a coisa mais bonita que me aconteceu. Também decidi que não quero saber de gente bem resolvida. E que nunca mais vou planejar assassinar ninguém que tenha fechado um cruzamento no trânsito. O homem é projeto. E a informação a respeito de si é ouro puro.
Sempre me angustiei por ser medrosa e ter certa tendência a olhar pra trás. Montanha-russa e mar com ondas só em outra encarnação, ou seja, com 15 anos meu único programa coletivo era ir ao cinema. Hoje, a par dos meus limites, não arrisco sequer um cruzeiro. Onde
já se viu estar preso em um lugar onde não se pode correr para um hospital?
Recentemente um grande amigo ficou doente e achou que iria morrer. De mãos dadas em sua cabeceira, tentei, com o verbo, aplacar sua tristeza. Mas, quando fui embora, percebi, feliz, que ele ficaria bem, porque a angústia é um privilégio de quem está completamente dentro da vida. Nossa fraqueza é também nosso cartão de visita.
Ou alguém viu cena mais linda nos últimos meses do que a fala do Ronaldo ao se despedir dos campos, admitindo que teve três chances incríveis de fazer gol, mas que infelizmente não foi capaz de marcar nenhum?
Ibsen escreveu que o homem mais forte é aquele que está mais só. Sempre achei bonito. Mas desconfio que quem dá os braços aos seus fantasmas tem mais chance de ser feliz.
Maria Ribeiro, 35 anos, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e em Tropa de Elite 2, em 2010. Seu e-mail: ribeirom@globo.com