Por linhas tortas

Tpm

por Redação
Tpm #76

Mesmo livres do meu controle, as idéias se encaixam e formam um fragmento da vida, com começo, meio e fim

 

No momento em que parei para escrever este texto, me encontrei de cabeça vazia. Fiquei me questionando sobre o que tenho feito dos meus dias para estar com essa sensação de nada. Será que fui atingida pela inércia do não pensar? Pouco a pouco aquela imensidão sem nome foi se transformando numa série de episódios. Deduzi que a intensidade do meu dia-a-dia tem sido tão gigante que sufocou minha memória de superfície. Eu não vou ficar escrevendo aqui só aquilo que você deseja ler, cairíamos num território comum, achatando nosso poder de reflexão. Organizei a primeira manifestação de rua da minha vida. Foram mais de 300 pessoas vestindo camisetas com a frase “quem sofre tem pressa”, balões brancos, gérberas coloridas, numa caminhada pelo centro de São Paulo, pedindo urgência na votação das pesquisas com células-tronco embrionárias. Muitos cadeirantes na comitiva de frente...

 

Filme diário
E eu pensei de novo na morte de Maria Lúcia, mulher com doença degenerativa que conheci numa favela. Estou escrevendo à sorte dos meus pensamentos e agora é ela que domina a imensidão branca da minha cabeça. Lembrei que entrava num auditório onde eu seria homenageada, quando recebi a notícia da morte dela. Depois de me entregarem um ramalhete de flores, me deram a palavra. Descontrolada, contei minha vivência chorando compulsivamente. Isso nunca tinha me acontecido. As pessoas levantaram e em fila me abraçavam expressando sentimentos. Com aquelas flores no colo, recebendo pêsames de pessoas que eu mal conhecia por uma pessoa que convivi durante uma hora, ficou à vista que a vida é uma sucessão de pequenos filmes. Isso porque nós não suportamos ser o que somos o tempo inteiro. Ou deixamos rolar e encaramos o filme como aparente entretenimento, ou somos nós os protagonistas que damos o tom de seriedade, contestando acontecimentos e impugnando fatos.
Fui ao show do Seal cuja estética, melodias, letras e performances sempre me despertaram o belo. Pudemos ir ao camarim tirar fotos com ele. Há uns 12 anos, o Alex, meu grande amigo, produziu uma música e pediu que eu escrevesse a letra. Depois de pronta a composição insistíamos em achar que ficaria perfeita na voz do Seal. Planejamos isso e não é que entregamos o CD para ele?! Se vai ouvir ou não é supérfluo perto desta revelação: a vida pode ser um curta-metragem com trilha sonora! O mais sedutor e fascinante dessa retórica espontânea ou desse livre discurso é a lógica misteriosa que une um episódio a outro. A vida não é uma narrativa linear com começo, meio e fim.

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