Poções mágicas

Primavera-inverno-verão e as sopas que não parecem comida de hospital

É primavera (seja lá o que isso significa no Brasil). Não. É verão. Não. É inverno...? Assim está São Paulo nos últimos dias. A chuva, que eu gosto tanto, trouxe junto uma friaca inesperada. E eu me vi fazendo um montão de sopas.

Eu odiava sopas quando era pequena. Não se comparavam com o dia do macarrão, da lasanha, do purê, do hambúrguer ou da esfiha. Tinha uma amiga que só comia sopa no jantar. Na minha opinião infantil, esse deveria ser o maior castigo da humanidade. Queria morrer com as canjas que minha mãe insistia em fazer nos aniversários (“Sua tia gosta”) e punha ao lado dos sanduichões super em voga nos anos 80.

Daí eu cresci. Continuei uma chata em uma porção de outros aspectos. Mas, ao aprender a cozinhar sozinha e ler páginas e páginas de receitas, algo em mim foi mudando. Entrei pra igreja da sopa. Sorte do meu marido, que é escocês e, por consequência, um sopeiro de nascença.

Só uma coisa. Continuo detestando canja e sopa de legumes batida no liquidificador. O que eu aprendi foi que, acrescentando ingredientes diferentes ou desconstruindo receitas eu conseguia satisfazer minha fome por completo. Elas não pareciam comida de hospital, eram perfumadas e ainda tinham aquele apelo que toda a comida de jantar, principalmente, deve ter: a de conforto. Você teve um dia do cão, está de mau humor ou endividada até as tampas. Mas esse potinho de poção mágica tem o poder de arrancá-la dali. Ao menos por meia hora...

Aí embaixo eu listo algumas idéias do que gosto de fazer com as minhas sopas:

Massas – Dão aquele conforto extra às sopas noturnas, por mais que seu nutricionista ou treinador discordem, hehe. Mesmo com mais de 30 anos na cara e sem filhos como desculpa eu me sinto no direito de usar macarrão de letrinhas. Outra boa pedida são as massas recheadas (como no cappelletti in brodo italiano) ou dumplings (na falta de tradução melhor), massinhas semilíquidas que você despeja na panela em colheradas e que cozinham em formatos engraçados na própria sopa.

Bebidas – Quando eu faço sopa de cogumelos, principalmente, acho que um tantinho de vinho branco não faz mal a ninguém. Tá empolgada? Arrisque um vinho do Porto, Conhaque ou Calvados. Se na feijoada vai cachaça, por que uma sopa não poderia? E, se alguém reclamar: o álcool evapora. O da sopa. O que você bebe junto é por sua conta e risco, hehe.

Refogado - Às vezes dou folga pra cebola e pro alho. Uso alho-poró e salsão. Salsão, cenoura e cebola picadinhos e refogados na manteiga, que em gastronomiquês se chama mirepoix, aliás, é uma ótima base para fazer sopas. Nas de tomate, por exemplo, ajudam a compensar a acidez.

Pão - Algumas sopas, como a de cebola à francesa, por exemplo, pedem uma generosa fatia de pão e queijo gruyère ralado por cima. É então colocada no forno para que o pão toste e o queijo derreta. Bom, né? Não esqueça de outra coisa que pode fazer a alegria da sua sopa: croûtons, pedacinhos de pão picadinhos e salteados com azeite e sal (você ainda pode acrescentar alho, orégano etc).

Cremes e molhos - Eu costumo usar uma versão caseira de creme azedo (ou sour cream) pra completar minha sopa de feijão à tex-mex (mais abaixo). Os franceses, eles de novo, usam o rouille, uma espécie de maionese com açafrão e alho, em diversos pratos, incluindo a Bouillabaisse, que é uma sopa de peixes e frutos do mar.

Missô, caldo de peixe, shoyu - Ótimos pra sopas japonesas. Além do missoshiro, há sopas clarinhas e leves, com cogumelos flutuantes, por exemplo. Elas também podem virar ramen, caldinhos de macarrão que podem ser completados com tempurá por cima.

Vegetais e grãos a perder de vista - Quando eu penso em sopa com sustança a primeira imagem que vem à minha cabeça são as enormes panelas de minestrone que meu padrinho faz. Só de ver tantos vegetais e feijões brancos eu já fico feliz. Entram também macarrão (de um ou vários tipos) ou arroz. Alguns terminam a sopa com pesto (feito com manjericão, alho, pinolis, queijo pecorino e azeite) outros apenas com queijo parmesão ralado. Pode crer que depois disso você precisará de algumas horas pra se recuperar.

Ervas - Vá além do cheiro verde. Aceite o coentro em seu coração. Sem ele sopas de inspiração tailandesa, indiana ou mexicana ficam bobas e sem graça. O dill, megaperfumado e delicado, também faz toda a diferença numa sopa de galinha, de cenoura, batatas, por exemplo. 

Temperos - Pimenta-do-reino preta é o mínimo pra mim. Mas eu gosto de fazer uso de outros da minha coleção: incluindo açafrão, cominho, o indiano garam masala, páprica etc. Pra contornar meu desprezo à canja, eu faço uma versão árabe. No lugar do arroz, uso macarrãozinho e o segredo máximo: um pau de canela. 

Frias – Pois as sopas não precisam ser apenas quentes. E quando o verão chegar oficialmente você pode começar e pensar em Gazpachos (sem tranquilizantes, como em Mulheres À Beira de Um Ataque de Nervos, por favor), Ajoblanco (a versão sem tomates do Gazpacho,  com amêndoas e uvas) e Vichyssoisse (com batatas e alho-poró).

Desconstrua – Talvez a sopa de feijão seja a única da minha infância que sobreviveu ilesa. Ou quase. Às vezes completo com couve cortada em tirinhas e arroz. Uma releitura do nosso dia a dia, né? Certa vez eu pensei: por que não repaginar o chili con carne? Deixei a carne moída de lado porque ela me dá aflição em sopas, mas o resto... Hmm. Douro bacon picadinho e reservo. Depois, na mesma gordura, refogo cebola, alho e pimenta dedo-de-moça e cominho em pó. Bato no liquidificador esse refogado com o feijão cozido previamente e acrescento o bacon já na panela. Termino com coentro picadinho. Na hora de servir, coloco uma colherzinha de sour cream caseiro (uma mistura de creme de leite, iogurte e suco de limão), tomatinhos picados e uma voltinha de azeite. Você pode pensar assim com vários outros pratos “sólidos”.

Como vê essa lista não têm instruções exatas. É mais um conjunto de inspirações e ideias que eu espero que sejam de alguma ajuda. Se você tiver dicas, compartilhe com a gente. Para dúvidas, também estou por aqui!


 Gabriela Sampaio Fergusson, 34 anos, é jornalista especializada em Gastronomia e Tecnologia e mantém o tumblr Céu da Boca http://ceudaboca.tumblr.com

fechar