Paraíso particular

por Isabelle Doudou
Tpm #83

Escondido no sul da Bahia, o casal Verônica e Jamie aproveita a vida observando a natureza

 
Escondido no sul da Bahia, o casal Verônica e Jamie aproveita a vida observando a natureza, criando e lutando pela preservação de um canto abençoado do Brasil

No pequeno vilarejo de Cumuruxatiba, no sul da Bahia, Verônica Graciano e Jamie Stewart decidiram se assentar. Pelo menos por enquanto. Depois de morarem por muitos anos em São Paulo, ele, um fotógrafo escocês que chegou ao Rio de Janeiro em 1980, e ela, uma artista plástica húngara que emigrou aos 5 anos para o Brasil, decidiram, em 2000, se mudar para uma cidade pela qual já eram apaixonados havia muito tempo, a mineira Tiradentes.“Mas fomos derrotados pelos carrapatos!”, diverte-se Verônica.“Eu caminho muito, mas na época da seca, que dura seis meses, há muitos micuins (carrapatos pequenininhos) e eu vivia infestado, fui até parar no hospital”, confirma Jamie. Dois anos depois, embarcaram em uma viagem de dois meses por todas as comunidades do litoral do sul da Bahia, com o olhar de quem procura um lugar para viver. E encontraram.

A casa em que moram, em frente ao mar, foi uma das primeiras da região. Inicialmente uma morada de pescador, foi comprada por uma carioca que a ampliou mantendo a construção original na reforma, com a preservação de portas e janelas. Quando Jamie e Verônica viraram os novos donos, construíram uma varanda e uma churrasqueira, para aproveitar melhor a parte de fora da casa.

Mas eles não vivem sozinhos. A cachorrinha Milly, o cão Lobo, mais três gatos e os guaiamuns – aqueles caranguejos enormes e pretos – têm lugar cativo na vida familiar. Verônica gosta tanto deles que os alimenta sempre que estão por lá. No jardim, um dendezeiro (palmeira) se encarrega de chamar macacos e bichos-preguiça. À noite é o som dos sapos, que vivem no riozinho próximo, que faz Verônica adormecer. Cozinhar, caminhar e produzir, esses são os verbos da casa.

Sinfonia sem borrachudos
Para Jamie, é lá que se tem o melhor clima do Brasil. Nunca está frio nem muito calor. A brisa, constante, faz com que não existam borrachudos nem que seja necessário ar-condicionado. Os recifes garantem um mar sempre calmo, e a variação da maré é tão
grande nas luas cheia e nova que a praia nunca é a mesma – ideal para quem se alimenta de imagens. Os 32 quilômetros de estrada de terra que levam o vilarejo até a rodovia ajudam a manter o lugar mais escondido. Mas o suposto descaso das autoridades com o pouco de mata atlântica que ainda resiste no Parque do Descobrimento, onde Cumuru está incluído, frustra Jamie profundamente. “É muito triste ver toda essa área sendo invadida, abusada, destruída. Se fosse bem administrada, bem pensada, cuidada com carinho, poderia virar um pólo de turismo maravilhoso, que traria dinheiro e um futuro para as crianças daqui. Mas, se você olhar a região, são centenas de quilômetros de plantação de eucalipto, que desenvolvimento isso pode trazer além de destruir o ecossistema?”, questiona ele.

Quando pergunto a Jamie se vai ser este, enfim, o lugar para viver para sempre, ele compara sua vida a uma sinfonia.Começa calma, vai crescendo, cheia de loucuras, depois se acalma de novo. “Mas ainda não pendurei as chuteiras. Ainda tenho muito o que fazer por aqui e, no fim, talvez eu esteja em um vilarejo do interior de Minas, com restaurantezinhos bons por perto, internet e minha Sky”, completa.

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TPM+ - O fotógrafo da última fronteira

O fotógrafo inglês Jamie Stewart-Granger fala ao site da Tpm sobre sua relação com o Brasil e com a fotografia

Por Flora Paul


O pintor Ivald Granato pelas lentes de Jamie Stewart-Granger

Jamie Stewart-Granger, 62, já viajou por todo o planeta, mas foi no Brasil que mais passou tempo em sua vida. Por já ter conhecido diversos lugares, considera o Brasil uma das últimas grandes fronteiras a explorar e vive aqui desde a década de 80. Jamie, que já fotografou índios na Amazônia, a mineração brasileira e as novas fronteiras do país, é filho do ator inglês Stewart Granger, estrela em Hollywood (como em A última caçada, de 1956, e Fúria no Alasca, 1960, ao lado de John Wayne), com uma atriz amadora de teatro. Ele sempre gostou de cinema. Queria ser diretor de filmes, mas, seguindo o caminho do cinema, acabou se tornando fotógrafo quando foi para a África em 1967 fazer assistência de direção em um filme e teve que substituir o fotógrafo oficial de produção. Como sempre andava com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço, assumiu a posição de fotógrafo e nunca mais a deixou.

Ao site da Tpm, Jamie fala sobre a vida de filho de astro de Hollywood, fotografia digital e seus planos futuros. Confira também uma galeria com fotos inéditas do inglês aqui

Como você começou a se envolver com fotografia?
É uma história bem longa. Trabalho há 40 anos com fotografia, em vários aspectos. Comecei no cinema, editando filmes. Eu era tipo segundo assistente, virei assistente de diretor, saí da Inglaterra, fui trabalhar em Roma, depois fui fazer um filme na África, com Henry Hataway, e, por acaso, o fotógrafo ficou doente. Como eu sempre andava com uma câmera no pescoço, o diretor perguntou: "Você sabe fazer fotos mesmo?", falei que sim e então fui eleito o fotógrafo da produção. Gostei da independência, de não ser parte de um time de registros, então voltei para a Inglaterra e comecei a trabalhar como assistente de fotógrafo. Mas aí casei, tive um filho, tive de ganhar dinheiro, então abri uma agência de fotografia e arte comercial com David Patton, que fez Carruagem de fogo, e, nos anos 60, criamos a maior agência de fotografia e arte comercial da Europa, a Patton Associates.

Quais os lugares mais legais que já fotografou?
Bom, conheci a maior parte do planeta, então vi muitos lugares bacanas, mas uma das grandes razões para ficar no Brasil foi por ser a última das grandes fronteiras do planeta. Então, fiz bastante coisa na Amazônia com os índios caiapós, as novas fronteiras brasileiras, a mineração brasileira, o aço... Estive mais aqui do que em qualquer outro país, inclusive o meu.

O que acha da fotografia digital? Você utiliza máquinas digitais ou analógicas?
Querida, eu sou um dinossauro, simplesmente eu não faço! É tudo filme, estou no laboratório agora, fazendo preto-e-branco, a área que eu mais faço, e ainda prefiro meus velhos equipamentos.

Seu pai, Stewart Granger, foi um ator famoso em Hollywood. Isso te influenciou de alguma forma? Como foi crescer com um pai famoso?
De fato via muito pouco meus pais. Fui para um colégio interno com 6 anos de idade, às vezes cruzava com ele nas férias, mas naquela época um ator era contratado por um estúdio que mandava na sua vida, ele não tinha o luxo de escolher, então estava sempre gravando em algum lugar. Era uma vida bem dura. Não participei da vida hollywoodiana!

O que você queria ser quando crescesse?
Bom, quando morei em um rancho no Arizona, eu queria ser fazendeiro, cursar veterinária. Mas, quando meu pai se separou da segunda mulher, fui devolvido pra minha mãe na Inglaterra [risos] e tudo mudou, tive que repensar tudo. Como minha mãe era atriz de teatro, isso foi uma grande influência na minha vida e quis ser diretor de cinema. Foi aí que comecei a editar filmes. Às vezes você tem uma ideia, mas a vida te dá outras cartas.

Quais são seus projetos futuros?
No momento, estou fazendo um trabalho sobre a nossa região. Vou fazer uma pequena exposição em Cumuruxatiba de umas 70 fotos em preto-e-branco, para prestigiar o povo dessa região e explicar para eles o que estou fazendo, porque eles não entendem muito bem. Então vou fazer essa pequena exposição, na casa mais antiga da cidade, que tem 4.500 pessoas, no início do mês que vem. E vou lançar um livro sobre a vida cabocla na nossa região.

Jamie fotografou grandes companheiros de profissão e pintores durante a Copa do Mundo de 1998, na França. Em Paris, uma exposição chamada "Futebol arte" foi exibida na mesma época, em comemoração ao evento. Jamie escolheu estas fotos, inéditas e em cor, algo pouco usual em sua fotografia, por serem um tributo aos seus amigos artistas. Confira a galeria aqui

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