Para a minha confidente Tpm

por Mara Gabrilli
Tpm #149

Mara relembra suas colunas e se despede da revista impressa

Logo que te conheci fiz uma das minhas mais profundas confissões: a de que adoro ficar menstruada! Para você, contei que desde menina me fascina a feminilidade de sentir meus seios intumescidos, doloridos! Em pouco tempo, muitos de seus leitores ficaram sabendo que gosto de sentir o sangue escorrer quente nas coxas e que isso me deixa tomada de desejo. E quis ainda que meu nascimento literário em suas páginas fosse simbólico para a revista. E fiz questão de escrever meu primeiro texto aqui no período de TPM. 

Para você, compartilhei paixões que me inebriaram. Contei sobre um dos meus banhos de mar depois de ficar tetraplégica. Lembro-me de quando fui invadida por uma onda de amor ao perceber o quanto me deixava viver em perigo quando estava com meu namorado. 

Tempos depois, também reparti a dor de quando relacionamentos amorosos chegam ao fim. 

Abri meus sentimentos mais ambíguos e deixei exposta em suas páginas toda a impermanência do meu ser. Nesses momentos você foi praticamente uma confidente – embora aberta a comentários alheios. 

Aqui, dividi meu choro quando perdi Norma, babá, confidente e rezadeira que dormira comigo até meus 10 anos. Lembro-me de nunca ter sentido nada parecido na vida. Perda tão grande, porém carregada de um sentimento distinto, narrei quando, depois de dez anos lutando contra a falência de seu corpo, meu pai se foi e deixou comigo tudo o que construímos de vida, sem dor e sem sofrimento: só saudade. 

Entre encontros e desencontros, partilhei com você minhas conquistas, quando, por exemplo, finalmente consegui mudar de casa. Uma casa só para mim! E derramei toda aquela emoção adolescente de quando eu queria morar sozinha. Afinal, desde que sofrera o acidente havia deixado minha casa para voltar à casa dos meus pais. Lembra-se? Foi nessa época de casa nova que conheci Cassetão, uma moradora de rua inteligente, com um peitão grande de senhora, bigode de mulher portuguesa e voz neutra. Ainda hoje, sempre que a encontro, ela mexe com meus referenciais. Às vezes conto para você sobre ela.

Nossa, e você ainda acompanhou minha evolução. De ongueira, quando fundei o Projeto Próximo Passo, hoje Instituto Mara Gabrilli (IMG), até vir a me tornar uma pessoa pública! Fui secretária da Pessoa com Deficiência, vereadora de São Paulo e deputada federal. Reeleita este ano! Quantas experiências trocamos aqui sobre minhas descobertas em relação à diversidade humana... Ou sobre meus desafios no trabalho para dar mais dignidade àqueles que como eu possuem uma deficiência. Quantos projetos transformadores do Instituto pude me orgulhar de lhe contar...

Biografia

E pensar que parte disso tudo ainda virou livro... Minha Íntima desordem tornou-se uma coletânea de crônicas escritas aqui, onde outras pessoas puderam conhecer nós duas. Coluna e colunista. E você, generosa, ainda impulsionou para que tempos depois minha história se transformasse em Depois daquele dia, biografia escrita pela Milly Lacombe, também colunista sua. 

A cada mês, reservei a você um recorte ou  um resumo do melhor ou do que de alguma forma me doeu muito. E o fiz sempre esperando alguém novo – aberto a conhecer um pouquinho do meu mundo e da minha alma. Uma relação de troca em que o texto foi meu porta-voz, sempre no final de todas as páginas. 

Hoje, esse exercício delicioso, que registrou minha existência por aqui durante 13 anos, chega ao fim. Assim como as pessoas, o trabalho, os namoros, nossa relação segue outro rumo. Confesso que sentirei falta. Mas, percorrendo as páginas de minha história aqui, agora consigo entender como a Tpm roteirizou minha felicidade. Espero que minhas memórias ainda toquem os seus leitores, que também fizeram parte de minha vida.

Para fechar.

Mas relembrar sempre.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Pró ximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

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