Palavras são coisas

por Maria Ribeiro
Tpm #149

Quando alguém que a gente gosta também gosta da gente é como chegar em Paris

Eu me apaixonei pela Rita por SMS. Não, mentira. Eu me apaixonei por ela por causa do Instagram. Não. Pensando bem, foi antes. Uns dez anos atrás, eu já achava ela foda por usar batom vermelho como se fosse cor de boca, como quem não pede desculpas, como quem senta no banco da frente desde que nasceu. 

Eu precisei de 20 anos de análise pra passar um M.A.C fosco chamado Ruby Woo mas sempre acabo passando corretivo em cima pra não ficar tão forte e ainda mordo um pedaço de papel pra não parecer que tenho muita autoestima. 

A Rita, não. A Rita é batom vermelho e pronto. Ela tem uma cachorra chamada Gal, mora numa casa de Paraty que fica no Humaitá e fala que nem mano da periferia de São Paulo, acho que pra parecer que ela não é tão mais inteligente que todo mundo. 

Porque ela é mais inteligente que todo mundo. E só acorda às 2 da tarde. E tem o humor mais charmoso do mundo, que ri dela mesma e de você. E finge que não sabe de tudo só pra se divertir na festa, que aliás ela não vai. Mas acho que ela também sente culpa. Freud não livra ninguém. 

A gente se encontrou assim: ela tava fazendo um filme em que meu marido atuava, e um dia eu fui com meus filhos no set. Set é aquele estranho lugar
onde pessoas fingem ser outras pessoas e recebem ordens de pessoas que ganham um cachê melhor e usam camisetas velhas pra ficarem cool. Enfim. 

Ela tava de preto, com uma roupa meio de época. E eu fui falar com ela como quem vai falar com o Julian Casablancas (como se algum dia eu fosse falar com ele, coisa que não farei; prefiro que ele continue morando no meu carro com seus amiguinhos dos Strokes). 

Acho que eu falei assim: “Oi, tudo bem? Prazer, eu sou a Maria e sou sua fã, acho teus desenhos e teus pratos muito lindos.” Ou qualquer outra coisa parecida. De modo que fui muito original.

“Deu bom”

O fato é que ela gostou de mim. E quando alguém que a gente gosta também gosta da gente é como chegar em Paris. Concluí que ela gostou de mim porque no mesmo dia me mandou um desenho lindo de uma menina triste, e eu achei que era eu. Devia ser ela, mas podia ser eu. Nós duas. Vai ver era um pouco de cada uma. 

Aí eu comprei um prato “deus” que ela pintou e a gente começou a falar por SMS. E “deu bom”, como ela diz. Os comentários sarcásticos misturados com a doçura do traço e a preguiça... Rita é uma gata de armazém, com visão Raios X, movimentos de francesa da Rive Gauche e malandragem da Augusta. 

Eu fiquei a fim dela. E acredito piamente que as relações via SMS são as mais reais e sinceras e felizes que existem. Quem não sabe digitar não sabe o que é bom. É só ir no YouTube e ver como o Joaquin Phoenix e o Spike Jonze são felizes com a Scarlett Johansson. Que nunca vai deixar a toalha molhada na cama. 

Existe amor no celular. Porque palavras são coisas. E Rita Wainer e seus sinais de fogo são meu novo e infalível chocolate, parceiro fiel há 38 anos. Que agora, fazendo dupla com ela, e passando pela assistência da caixinha preta, tornam a vida, se não boa, pelo menos um desenho romântico e bonito. Coração, sereia e olho roxo.

Maria Ribeiro, 37 anos, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de elite e Tropa de elite 2 e é uma das apresentadoras do Saia justa, no canal GNT. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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