Há quem acredite que só existem dois tipos de mulher: a bela e a fera
Há quem acredite que só existem dois tipos de mulher: Martha Rocha e Martha Rocha.
A primeira, não vai se confundir, é Martha Rocha. Sim, a soteropolitana eleita a primeira Miss Brasil, nos idos de 1954. Mais conhecida pelos olhos azuis, pelas curvas generosas e pelas famosas duas polegadas a mais nos quadris, que lhe renderam a alcunha de “violão baiano” e o segundo lugar no concurso de Miss Universo, em Long Beach, Califórnia. A exuberância dos cinco centímetros extras, que assustou os juízes gringos, ilustra lindamente o que seria o ideal feminino clássico, aquele ligado à beleza, à delicadeza e também à sexualidade que escapa ao controle masculino – e às fitas métricas.
A segunda, atenção, é Martha Rocha. A carioca foi nomeada chefe da polícia civil do Rio de Janeiro no ano passado – e entrevistada para nossas Páginas Vermelhas deste mês. A delegada se tornou a primeira mulher a comandar os 11 mil homens da força estadual. Sua trajetória rendeu, até o fechamento desta edição, 14 ameaças de morte. E também uma imagem capaz de resumir o outro padrão feminino, aquele que emergiu com as sufragistas, Simone de Beauvoir e o movimento feminista dos anos 60: a mulher forte, dura, que abre espaço na política, na administração pública, nas empresas.
Se você desconfia que essas duas categorias – a bela e a fera – são uma simplificação bizarra, você está absolutamente certa. Esse raciocínio torto pretende que toda mulher deva escolher uma única música para dançar: ou de manhã cedo já tá pintada, só vive suspirando, sonhando acordada (viva Luiz Gonzaga!), ou encarna a paraíba masculina, mulher-macho sim, senhor (viva Humberto Teixeira!). Mas, claro, cabem muitas outras mulheres nesse baião de dois. A reportagem “Yes, She Can” investiga a incrível diversidade com que o poder feminino se manifesta.
Por enquanto, basta olhar de perto as duas Marthas arquetípicas. Nem elas nem ninguém se encaixa em um estereótipo. Ou mesmo em dois. Pois a miss não foi obrigada a reinventar sua vida depois de perder todo seu dinheiro, e ainda teve que juntar forças para vencer um câncer de mama? Definitivamente, não é coisa de mulher frágil. E a delegada por acaso abre mão de fazer as unhas ou preparar uma comidinha, como qualquer dona de casa? Mas, ei, ela não deveria ter se masculinizado completamente para chegar aonde chegou?
Toda Martha Rocha também tem um tanto de, bem, Martha Rocha. Aproveite.
Fernando Luna, diretor editorial