Organize suas memórias

por Tania Menai
Tpm #89

Uma das causas das brigas conjugais é a bagunça alheia. O que fazer com os apegos do outro?

Acabo de ler uma coluna engraçadíssima de um escritor americano que conta sobre a tralha que ele acumula e da qual não consegue se desfazer – nem mesmo sob as ordens da esposa. Ele argumenta que, aquilo que parece bagunça para os outros, para ele é apenas uma coleção de memórias misturada com a esperança do futuro. Como assim? LPs que fizeram parte da adolescência dele, amontoados com uma parafernália tecnológica quebrada que ele se julga capaz (e, para ele, será uma vitória) de consertar um dia.

Viver numa bagunça é algo abominável e acredito que essa seja uma das maiores razões de brigas conjugais. Ninguém é obrigado a conviver com as tranqueiras emocionais que pertencem ao passado do outro – mas é necessário que se respeite a história alheia. Certa vez, meu namorado, hoje marido, achou que estava fazendo um imenso favor ao “arrumar” a minha mesa e jogou fora – entre muitas outras coisas – dois camelos pequenos feitos de palha trançada. Para ele, aquilo não tinha nenhum valor. Para mim, era uma lembrança de dois meninos marroquinos que encontrei perto do deserto do Saara. Eles faziam e vendiam esses camelinhos para sobreviver. Eu adorava olhar para eles, que ficavam ao lado do computador. Agora, já era.

O colunista contava que, cada vez que a esposa dele conseguia fazer com que desse uma geral nos discos antigos, ele achava uma música que tinha feito parte de alguma fase saudosa. Em vez de jogar o vinil no lixo, ele passava a tarde dançando até pingar de suor. Até hoje, não me perdoo por ter perdido o porta-óculos que era da minha avó. Já sonhei com ele – ele não só guardava meus óculos de sol (perdidos junto), mas também memórias. Já comprei outros óculos, mas nunca outro porta-óculos. Algumas coisas são insubstituíveis.

*Tania Menai é jornalista, mora em Manhattan há 13 anos e é autora do livro Nova York do Oiapoque ao Chuí, do blog Só em Nova York, no site da Tpm, e também do www.taniamenai.com

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