por Maria Ribeiro
Tpm #117

O que importa é criar o seu próprio olhar para o mundo e para a sua família

 

Eu sempre acreditei na família. Sei todos os aniversários até a terceira geração, fotografo – e organizo – as festinhas de fim de ano e confecciono álbuns com disciplina militar. Por prazer.

Gosto das neuroses rodriguianas, observo com ternura e saudade precoce as brigas melodramáticas e finalmente parei de olhar com mágoa para o dia em que ninguém foi ao teatro me assistir. Fato este – a paz no coração, e não o evento, em 1987 – que, segundo alguns, define irremediavelmente a entrada na vida adulta. Vida esta na qual entrei tardiamente, e folgo em espalhar que é uma delícia.

Mas mesmo nos piores momentos, quando maldizia o instante em que a revolução industrial, por motivos econômicos e políticos, nos tirou das comunidades e instituiu que era obrigatório coabitar com aqueles que conosco dividem o sangue, sempre tive uma certeza: a de que ter irmão nos livrava pra sempre de toda a solidão da existência. Alguém no mundo teve o mesmo pai e a mesma mãe que você, e isso não é pouco.

Porém conforme o tempo foi passando fui me libertando dessa ideia. Ou, melhor, fui deslocando meus conceitos de pertencimento e aconchego. Amo as pessoas à minha volta, cujas mãos estão estendidas a mim: basicamente meus nove grandes amigos, meu venerado marido e as vendedoras das lojas onde mensalmente deixo meu salário. Quem disse que amor não se compra?

E, além disso, amo meus sobrinhos, minha analista e a babá dos meninos (que foi minha babá). Amo meus filhos e o livre-arbítrio da maturidade. Amo inclusive meus pais.

Mas não posso deixar de propagar os benefícios desta dupla: a verdadeira amizade e a monogamia são a rede mais firme que eu já conheci. Invista nisso, companheira. Mesmo que o seu Natal seja o mais caloroso do mundo. Mesmo que seus pais fiquem genuinamente felizes com suas realizações. Mesmo que não haja competição entre seus irmãos. Porque então você vai amar os seus entes por opção. Porque quer. Porque é bom. Com o controle remoto nas mãos. Livre.

Pão doce


Mesmo assim, preciso admitir: quanto a mim, não estou completamente desapegada da minha família, nem sei se quero ficar. Sofro até hoje quando vejo avós em festas de escola, coisa que nunca tive. Também me emociono ao deparar com uma mesa italiana de domingo, pois, embora tenha cinco irmãos, raramente conseguimos nos reunir. Gosto da ideia de clã e simpatizo tanto com os Simpsons quanto com a família real britânica.

Mas prefiro me relacionar com o que tenho agora a evocar o passado como rei. Na minha infância, por exemplo, só queria saber do meu pai e do meu irmão. Hoje sou muito mais tocada por minhas mulheres do que por meus homens. Salve o tempo e as oportunidades! Salve o Deus da mudança.

Mas vale registrar que nunca vou esquecer de como era bom, todo sábado, ir com meu pai comer o pão doce da padaria Rio-Lisboa. Só ele e eu sabíamos que a vida valia por aquele momento.

As memórias de garota que compõem a mulher que eu me tornei só me dão mais certeza de que o que importa é dançar junto com o presente e criar o seu próprio olhar para o mundo e para a sua própria família.

Mesmo que por enquanto sua família seja composta apenas de você.

Maria Ribeiro, 36, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e em Tropa de Elite 2, em 2010. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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