Obesidade é sentença de morte para todo mundo?

por Mariana Perroni

O excesso de peso é uma bomba relógio que deve ser desativada imediatamente. Correto?

 

Então começa assim: Você pega seu peso, divide por sua altura ao quadrado e ganha de presente um número, o seu Índice de Massa Corpórea (IMC). Esse é o cálculo mais utilizado no mundo para detectar excesso de adiposidade e determinar se alguém é obeso ou não.

Se o IMC se encontra entre 18 e 24,9, pegue uma estrelinha, pois vc brilhou. Se está entre 25 e 29,9, abra o olho porque você tem sobrepeso. Agora, se for maior que 30, um abraço. Você está obesa. Pode pegar uma caixa de lenços porque isso significa que você não é saudável. Como já mostrado por inúmeros estudos observacionais, seu risco de morrer é maior do que o de alguém que tem um IMC normal.

O blablabla é famoso e velho conhecido dos programas matinais na tv às revistas femininas nas bancas. E das conversas na fila do supermercado às aulas de ginástica aeróbica na academia. De uma forma mais científica, para cada aumento de cinco pontos no IMC, acima de 25, seu risco de morrer se torna 29% maior do que o de alguém com um IMC normal. Se já não bastasse, o risco de morrer por causas cardiovasculares (AVCs, Infartos) aumenta em 41%. E, pasmem, o risco de morrer por causas relacionadas ao diabetes aumenta em 210%.

Resumindo: O excesso de peso é uma bomba relógio que deve ser desativada antes que uma catástrofe ocorra, correto? Não sei mais. Dois recentes estudos que acompanharam, ao todo, mais de trinta mil americanos e canadenses obesos por um período de 16 a 20 anos, mostraram que a obesidade não afeta todas as pessoas da mesma forma. E que obesos que não tenham outros fatores de risco podem viver exatamente o mesmo número de anos que pessoas de IMC normal. Ou mais.

Calma. Isso não significa que as pessoas podem começar a queimar tênis de corrida em praça pública ou rasgar boletos de academia. Só significa que não se pode mais definir se uma pessoa é saudável ou não baseando-se apenas em seu peso e altura. E que, consequentemente, o IMC provavelmente não é a melhor ferramenta para isso. Muito menos para estratificar quem tem critérios para ser submetido a uma cirurgia bariátrica ou não, como é feito atualmente.

Olhando com mais atenção, o estudo tem dois pormenores:

1- Ele avalia apenas risco de morrer e não qualidade de vida.

Mesmo que esses obesos não venham a morrer mais cedo, o excesso de peso, ao longo dos anos, vai causar problemas na articulações e necessidade de cirurgias em joelho e quadril, por exemplo.

2- Os fatores de risco que aumentaram a mortalidade nesses estudos têm ligação direta com a obesidade.

Hipertensão, diabetes, apnéia do sono, insuficiência cardíaca e problemas psicológicos são uma lista de consequências conhecidas da obesidade ao longo do tempo. Sendo assim, seria um erro pensar que está tudo bem continuar sendo obeso só porque você não tem fatores de risco.

Uma vez me disseram que a medicina é uma ciência de grandes verdades transitórias e acho que isso faz bastante sentido nesse caso. Espero que os resultados desses estudos venham a contribuir para uma moratória do IMC como parâmetro definidor do quanto se é saudável ou não e em um estímulo à pesquisa de ferramentas melhores para isso. Só me preocupa que as conclusões dos estudos sejam extrapoladas a ponto de diminuir a importância de um estilo de vida que combata o excesso de peso.

Resumindo: da mesma forma que eu nunca aconselharia um fumante a continuar fumando só porque ele não tem câncer ou enfisema e um alcoólatra a continuar bebendo porque ele não tem cirrose, vou manter minha postura de não aconselhar ninguém a continuar sendo obeso.

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