Tpm

por Redação
Tpm #61

Sabe o que eu tenho que mais gosto? O sol esquentando a minha pele. Somos aquilo que lembramos

 
A Norminha (minha babá desde um ano que está em casa até hoje) entrou no meu quarto, sentou e começou a contar casos. Me fez refletir...

Comentou que precisava comprar umas regatas para o irmão que agora já consegue dormir de calças na canela e este tipo de camiseta. E eu perguntei como ele dormia antes. Ela respondeu que ele tem muita vergonha e sempre dormiu de camisa e calça comprida com medo que chegasse alguém. Ele mora no apartamento dela, que ela visita raramente e avisando com antecedência.

Na mesma conversa Norminha contou que agora não tem mais vergonha de seus pés, pois tem mais de um tênis bacana, porém, quando adquiriu o primeiro, machucava seus dedos. Como não queria de forma alguma dar este tênis que era seu único, preferiu ficar com os dedos roxos por meses, a ponto de a manicure ter medo de tocá-los. Ela sempre guarda suas melhores roupas para ir aos médicos. Contou que antes escondia os pés na sala de espera porque tinha muita mulher rica, mas agora ela sabe muito bem ser exibida e faz questão de mostrar seu tênis importado. A Norminha que despeja amor através da comida e cuida de toda a minha família como se fosse mãe de cada um, inclusive dos cachorros, ama seus tênis importados, com amortecedores que protegem seu joelho operado.

Comecei a perguntar às pessoas sobre o que mais gostam e me surpreendi em perceber que o valor material está longe de ser o mais importante das respostas. O Alfredo disse que o que mais gosta são os objetos que lembram seus amigos, como uma foto, um shorts vagabundo de algodão e uma faixa preta de quimono. Gosta muito de umas camisetas que comprei pra ele.

A Ana guarda matérias de jornais que envolveram seus amigos e presentes de amigos queridos. Ela diz que sua memória é tão ruim que se não guardar estas coisinhas é capaz de esquecer tudo. A Gil gosta do aparelho de som, pois na verdade ama a música. A Simone gosta do seu veadinho de pelúcia que lhe acompanha desde criança. O Fefê gosta da sua dança e a Aris gosta do abraço longo dos grandes amigos.

Isso tudo comprova que o sistema límbico, responsável por nossas emoções, está hierarquicamente acima de todos os sistemas do organismo. Somos aquilo que lembramos, e o que realmente fica gravado não é a informação do acontecimento em si, mas a emoção que ele gerou. Nossa felicidade, tristeza, angústia e euforia são desencadeadas pelos símbolos que o mundo externo apresenta.

Existe uma grande diferença entre o "saber" e o "conhecer". O saber gera a sabedoria que estrutura nosso caráter e nutre as importantes lembranças que ficam. O conhecimento nasce da matéria, da informação, da notícia e da ciência. Você não lembra do conteúdo da aula do primeiro ano, mas se lembra da postura do professor. Se sinto cheiro de lápis, borrachinhas perfumadas, lembro do carinho que minha mãe encapava meus cadernos e livros escolares. Quais eram os livros? Não faço a mínima idéia. Sabe o que eu tenho que mais gosto? O sol esquentando a minha pele.
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