Márcia Watzl e Cély Leal falam sobre suas estreias como diretoras no Festival do Rio 2010
Quando tinha 14 anos a carioca Márcia Watzl começou a prestar atenção na programação das rádios. Eram três músicas estrangeiras para uma nacional. Achou um absurdo e passou a ouvir só música brasileira. Nos tempos da faculdade de cinema na UFF, tinha mania de comprar livrinhos da Funarte sobre os principais compositores do país, Pixinguinha, Candeia, Silas de Oliveira e muitos outros. A baiana Cély Leal, por sua vez, cresceu no meio das rodas de samba que sua família fazia no fundo do quintal. E viu seus pais democratizarem sua coleção de discos, colocando um alto falante no portão, que tirava um sorriso e às vezes um requebrado dos que passavam. Mas o samba não ficou só no gosto. As duas acabam de estrear como diretoras no Festival do Rio 2010, e estão concorrendo, respectivamente, com os documentários É Candeia e Noitada de Samba Foco de Resistência.
Em 2008, Márcia conheceu o projeto do musical É Samba Na Veia, É Candeia, do seu amigo Eduardo Rieche. “Fiquei muito impressionada com a beleza das letras do Candeia, que eu conhecia, mas pouco. E fascinada por sua história que é tão trágica e tão forte”, explica. “E como já conhecia o autor do texto perguntei se eu não poderia acompanhar a montagem”. A equipe topou e durante os três meses e meio de ensaios e apresentações, ela registrou todo o processo de concepção da peça, sozinha e sem dinheiro nenhum. Conseguiu as câmeras emprestadas e teve a ajuda de dois amigos fotógrafos em algumas gravações. “Era vontade, foi impulso. Eu queria ver aquilo crescer e resolvi fazer do jeito que podia”, conta. “E o fato de ser só eu e mais uma pessoa, no máximo, deixava o clima mais informal, eles ficavam mais a vontade e os depoimentos saiam mais espontâneos”. A única entrevista fora do Teatro do CCBB do Rio foi com os filhos de Candeia, Jairo e Selma, numa tarde animada com direito a muito samba. Deu certo. Márcia, que é editora há 20 anos, precisou de apenas três meses para editar e montar o documentário “É Candeia”, que estreia nesta sexta-feira, em sessão fechada para convidados, no Festival do Rio.
Cély formou-se jornalista e aos 24 anos já tinha passado por praticamente todos os jornais de Salvador. Decidiu então, passar uns tempos no Rio de Janeiro. Sempre ouvia falar das Noitadas de Samba do Teatro Opinião, mas nunca tinha conseguido ficar uma segunda feira na cidade maravilhosa para ver de perto. “Fui logo que cheguei e fiquei apaixonada. Tudo que eu queria era registrar aquilo, e levar para o povo da minha Bahia ver”, lembra. Ela já era muito amiga de João das Neves, diretor do teatro, e virou assídua, chegando a trabalhar lá por um período. “Eu me envolvi muito, tive a oportunidade de conhecer vários compositores que eu gostava. Foi um momento muito rico da minha vida. E fiquei com aquilo dentro de mim, era um silêncio, um desejo adormecido”, explica. No final dos anos 90 ela decidiu tirar o seu projeto do papel, e fazer um pequeno documentário sobre as Noitadas de Samba. Falou com Jorge Coutinho, o idealizador, e Leonides Bayer, o produtor, que adoraram a ideia. E convidou a amiga Márcia Guimarães para escrever um livro, que deve ser lançado no final do ano. Demorou sete anos para conseguir o patrocínio da Petrobras e no final fez Teatro Opinião Foco de Resistência, um longa de 75 min com uma verba para um curta de 20, que passou pela primeira vez no Odeon Petrobras na última segunda feira.
O forte do samba é a mulher
“O samba era muito masculino, não havia muitas compositoras, mas as mulheres participavam do partido alto. E existiam presenças femininas fortes que eram reverenciadas, como a Clementina de Jesus. O próprio Candeia gostava muito dela, e também costumava falar de uma senhora que foi sua vizinha e o convidava para as rodas”, diz Márcia sobre a questão do feminino no samba. Dos oito documentários que estão concorrendo à Première do Festival do Rio, sete foram dirigidos por mulheres. O que nos leva a certos questionamentos sobre as diferenças no olhar feminino e masculino, não só na direção de um filme, como na vida e até no samba. “Eu acho que a mulher contribui sempre, ela dá mais suavidade”, diz Márcia. E Cély concorda. “O olhar feminino é diferente, é terno, carinhoso. A mulher é mais atenta, mais perspicaz, extravasa melhor suas emoções. E eu acho que é possível sentir isso”. Mas para ela o mais interessante é como a mulher tem importâncias diversas no samba, que vão além do cantar e do compor. “É ela quem mantém a tradição do samba, na cozinha, na organização. Pra mim, nos bastidores do samba as mulheres estão na frente dos bastidores. São fundamentais”, conclui.
Hoje, aos 56 anos, Cély não podia estar mais feliz. “A Noitada de Samba foi uma revolução na música brasileira. As pessoas tiveram oportunidade de conhecer muitos compositores que antes não desciam o morro com tanta frequência. E muitos outros foram descobertos durante aqueles 13 anos. Como Clara Nunes, João Nogueira, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Leci Brandão, Gisa Nogueira e muitos outros”, diz sobre suas motivações. “Era tudo muito informal, todo mundo junto e misturado. Todas as raças, cores, credos, escolas. E poder contar essa história é muito gratificante”. Márcia, aos 46, não fica muito atrás. “A história do Candeia é a verdadeira jornada do herói. A Portela foi campeã com um samba enredo seu quando ele só tinha 17 anos. Ele ficou paralítico, deu a volta por cima e foi um grande líder. Lutou pela tradição do samba, do partido alto, da cultura afro brasileira. Sem contar a riqueza do seu repertório”. Agora ela quer tentar lançar o filme em alguns cinemas, de repente entrar em algum edital de lançamento e fazer com que seu trabalho seja visto. Cély quer levar sua obra para sua Bahia, São Paulo e Brasília e se conseguir, correr o Brasil até parar no Japão. Se você tiver a sorte de estar no Rio essa semana, aproveite. Se não, só resta esperar.
Vai lá: http://doccandeia.blogspot.com
http://noitadadesambafilme.blogspot.com
Programação:
É Candeia
Domingo – 03/10 – 15h – Estação Vivo Gávea 3
Domingo – 03/10 – 20h – Estação Vivo Gávea 3
Estação Vivo Gávea - Shopping da Gávea
Rua Marquês de São Vicente, 52 - 4º andar
Gávea, Rio de Janeiro/RJ
Site: www.festivaldorio.com.br
