Mara Gabrilli conta como foi o dia de sua posse como deputada federal, em Brasília
Cheguei ao púlpito e chorei emocionada. Senti-me mais credenciada para lutar pelas pessoas com deficiência e satisfeita por ter acreditado que a mesma casa que aprovou a lei de acessibilidade a estava cumprindo.
Desta vez só eu e a Gil, com destino a Brasília para a minha posse como deputada federal. Mais uma vez, a atendente demorou tanto no processo que o voo fechou. Saí do balcão irritada. A Gil ainda esqueceu a alça da frasqueira e estava com uma mochila nas costas empurrando a minha cadeira de rodas. Fácil. Cadeira de rodas e mala sem alça e duas horas para esperar. Fui ao banheiro fazer o xixi mais calmo dos últimos anos. Enquanto relaxava em pé, que é como faço xixi de cadeira, a minha mãe ligou: “Filha, já está em Brasília? Estou indo para o aeroporto embarcar no voo das 15h55”.
Era o mesmo que o meu. Tirando os voos UTI de 16 anos atrás, quando eu era transportada de maca para a reabilitação nos Estados Unidos, fazia 23 anos que não viajava com minha mãe.
Chegamos a Brasília e pegamos um táxi Doblo que havia reservado. Fomos direto ao Congresso.
Fiz reconhecimento das minhas digitais para registro de presença por meio da leitura biométrica. Encontrei o pessoal do meu gabinete daqui e fui para o plenário testar os equipamentos do painel eletrônico desenvolvidos para eu votar, sem tocar o teclado. Eu sou a primeira tetraplégica deputada federal no Brasil.
Testei também a plataforma que instalaram no plenário para deputados cadeirantes poderem discursar da tribuna como os outros. Construí esses novos recursos com a equipe da Câmara Federal. Na hora que venci os degraus e cheguei ao púlpito penetrando a obra do arquiteto Oscar Niemeyer, chorei emocionada. Senti-me mais credenciada para lutar pelas pessoas com deficiência deste país e satisfeita por ter acreditado que a mesma casa que aprovou a lei de acessibilidade a estava cumprindo.
O primeiro voto
Acordei para a posse, pus um vestido de bolinhas e encaramos o trânsito provocado por 513 deputados e seus convidados, imprensa e outras autoridades.
No plenário da Câmara Federal, chamado Ulysses Guimarães, só tem lugar para menos de 400 deputados. Acho que só se veem todos juntos na posse. A multidão em pé deixava os cadeirantes (somos três) na invisibilidade. O deputado que estava com a palavra me chamou de Maria Gabrilli. Tínhamos que levantar a mão e dizer “eu juro”. De um lado, um coro de conhecidos gritava “é Mara”, e do outro um coro desconhecido gritava “levanta o braço”. Foi um momento de disparar o coração e ainda dar risada. Estava empossada, e minha mãe comigo. Deixaram que entrasse para ficar comigo.
No mesmo dia foi a votação da mesa diretora. Eu fui a primeira a votar e inaugurei a tecnologia assistiva que desenvolveram pra mim. Com o movimento da minha cabeça posso conduzir o mouse. O primeiro voto foi para escolher o presidente da casa, que, entre tantas atribuições, substitui o presidente da república. Mais uma vez fui invadida por uma alegria de missão continuada. Achei a conquista do equipamento um respeito com os brasileiros e uma demonstração de que não tem erro algum em ter uma deficiência, errado é o meio que não se adapta a todas as pessoas. Estou equiparada de oportunidades com os outros deputados.
No dia seguinte, a presidente Dilma fez um pronunciamento no plenário para abertura dos trabalhos legislativos.
Pra fechar o desafio da nova empreitada, minha mãe perdeu o avião, e encontrei-a na poltrona ao lado da minha. Definitivamente, ela deu um diferente sabor a tudo isso.
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br