O casamento da minha melhor amiga

por Nina Lemos
Tpm #55

Aos 33 anos, a fotógrafa Paula Prandini trocou a vida on the road por um casamento completo: três crianças, marido, cachorro. E declara: ”Nunca me senti tão livre”

“Tem coisa mais boba do que essas mulheres que dizem que o marido precisa acordar com ela durante a noite para amamentar? Se um vai ter que acordar, por que vão acordar os dois? Pô, deixa o seu marido dormir para poder trabalhar no dia seguinte!” A observação, que vai ao ponto certo e chega a ser engraçada (de tão óbvia), não me surpreende. Isso porque vem da boca de Paula Prandini. Essa é uma conversa entre amigas, que fique claro. Paula foi room-mate da repórter que vos escreve há dez anos (sim, faz todo esse tempo). Na época, estávamos as duas solteiras e nossas festas eram ótimas, como ainda são.

A Paula que eu encontro na tarde de domingo no Rio de Janeiro, onde mora, está grávida de oito meses. E cuida (e me deixa ajudar, oba!) das gêmeas Miranda e Capitu, de um ano. Em três anos (e só isso) minha amiga saiu da condição de solteira para mãe de família. Ela mora com o marido, o cineasta Jonathan Nossiter, em uma casa no Horto. Seria tudo pouco surpreendente, não fosse Paula uma das amigas mais independentes que já tive na vida. Ela trabalha desde os 14 anos (na época, como modelo), morou no Japão com 15, abriu um restaurante em São Paulo com 20, fechou com 21, virou fotógrafa (e minha amiga) aos 20 e poucos, mudou para Paris antes dos 30, morou com um namorado francês e viajou a América Latina fotografando o filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles.

Adorava passar as férias em Trancoso (absolutamente sozinha), e era tão “on the road” que uma vez tivemos o seguinte diálogo durante uma visita dela ao Brasil: “Paula, onde você está morando?”. “Em lugar nenhum. Minhas coisas estão na casa de uma amiga. Não sei mais onde eu vou morar. O que você acha de eu mudar para o Rio?” As “coisas” da Paula estavam em Paris. E ela, depois de viajar a América com Diários, voltar para Paris e se separar do namorado, dava um tempo em São Paulo na companhia do cachorro Ched. 

De volta ao futuro. Paula, que hoje mora com marido, empregada, cachorro (o mesmo Ched) e crianças, dá um tempo dos projetos de trabalho e diz que nunca se sentiu tão livre. Agora, que sua casa virou praticamente uma empresa. “Essa coisa de enfermeira, de babá vestida de branco, não tem muito a ver comigo. Então, tenho duas meninas que me ajudam, porque realmente preciso de ajuda.” Em um dos momentos da tarde em que passamos juntas, apartamos uma briga entre as meninas. Capitu puxou o cabelo de Miranda até encostar a cabeça da irmã no chão. “Poder depender de outras pessoas dá uma liberdade incrível. E saber que existem pessoas que dependem de você também”, ela me explica.

E a conversa sobre não acordar o marido durante a noite volta. “Eu acho que a maior bobagem que a gente pode fazer na vida é achar que homens e mulheres são iguais e ficar com essa mania de dividir tudo. Isso leva à competição. Já competi em muitos relacionamentos e foi horrível.” Ser independente não é competir, a gente conclui. E Paula tem outro argumento na ponta da língua. “Olha, a coisa mais horrível que existe são esses casais que dividem conta de restaurante pela metade. É mais uma prova de que tem que ficar tudo divididinho, como em uma competição. Se eu tenho dinheiro, convido o Jonathan e ele adora. Como ele tem mais dinheiro, acaba me convidando mais, claro.”

A Paula-mochila-nas-costas, a que comprou seu primeiro carro ainda adolescente com o próprio dinheiro, hoje assume, sem nenhum problema, ser dependente financeiramente do marido. “Deve ter gente que acha isso estranho, mas dane-se. Sinceramente, eu tenho um privilégio enorme de ser casada com uma pessoa que pode bancar essa situação para que eu me dedique agora às minhas filhas e à minha família. Se não pudesse ser assim, tudo bem. Eu daria um jeito. Mas ser assim é ótimo.” E se ela vai voltar a trabalhar? “Claro. E aí vou arrebentar. Me aguardem. Porque estarei deixando meus filhos para trabalhar. Desde que as meninas nasceram, meu tempo é muito mais caro. Não vou gastar o tempo que estou longe delas fazendo qualquer trabalho. Vai ser só para fazer fotos incríveis.”

Para entender melhor tanta liberdade de espírito, aqui cabe dizer que Paula é filha de hippies. “O casamento dos meus pais deu muito errado. Acabou quando eu era superpequena. Acho que a nossa geração tem a possibilidade de fazer uma mistura entre essa coisa “Maio de 68” dos nossos pais e a vida dos nossos avós. Essa mistura pode dar certo.” A mistura de que Paula fala significa, sim, não se achar um lixo porque parou de trabalhar. E, ao mesmo tempo, não perder a sua essência por estar em uma relação.

 “Não casei com o príncipe. Casei com o sapo. Mas casar com sapo é maravilhoso. A vida de casada com família é melhor do que eu podia imaginar. E sabe por quê? Não é porque é perfeita. É porque é real.”

Tem toda a razão. Bobeira é não viver a realidade.

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