Em entrevista sobre o disco, Helio Flanders fala sobre o processo criativo e faz planos
"Recuperar o gosto pelas coisas, voltar a enxergar os símbolos, os pequenos atos, uma estrada a ser percorrida pelas próprias pernas. O mais reconfortante é saber que esse disco, sim, me ajudou a resolver questões. Estou num momento muito feliz." A frase do vocalista Helio Flanders resume o atual momento da banda Vanguart. Após quatro anos sem gravar, o grupo volta com o disco Boa Parte De Mim Vai Embora, trabalho com temática focada principalmente nos relacionamentos amorosos dos dois compositores da banda: o vocalista Helio e o contrabaixista Reginaldo Lincoln.
Indo ao encontro e também em contraposição às relações terminadas, o grupo enfatizou a importância da presença feminina em seu universo. Além da participação da violinista Fernanda Kostchak, a capa do disco mostra quatro amigas da banda e foi inspirada na forte relação de Reginaldo e Helio com suas mães. "A capa foi uma maneira de homenagear nossas mães, essas mulheres tão presentes e tão importantes nas nossas vidas, mas também as mulheres que nos formaram nesses anos: amigas, namoradas, cantoras, escritoras."
Em entrevista à Tpm, Helio falou, entre outras coisas, sobre seu processo criativo, sobre a cidade natal da banda, sua influências musicais e dos caminhos que pretende seguir daqui pra frente.
Vocês são de Cuiabá, mas já moram em São Paulo faz um tempo. O novo disco traz influências específicas da vida de vocês nesta cidade ou a saudade faz com que Cuiabá tenha uma presença ainda mais dominante nas canções?
Eu acho que o disco traz influências da cidade, seja ela qual for. Fiquei muito preocupado em não fazer um álbum que ficasse o tempo todo com a sensação homesick, acho que seria clichê demais, porque de fato isso aconteceu nos primeiros anos da mudança, mas agora já estamos totalmente habituados. Nossa vida é aqui, nossos amigos, namoradas, tudo acontece nesse cenário que é São Paulo. Talvez daqui uns anos estaremos morando num sítio e poderemos adquirir ares mais bucólicos, porém curiosamente o disco fala muito de mar, talvez mais uma metáfora pra designar uma cidade, a morte ou o amor.
Boa Parte de Mim Vai Embora é um trabalho que fala fundamentalmente sobre relacionamentos e a parte ruim deles. Ao fim do disco o que fica é um pessimismo em relação ao amor?
Pessimismo não... Não há arrependimento no que aconteceu, os versos não sugerem isso, creio. Vejo que essa melancolia presente é muito esperançosa, quase que aceitando as situações porque elas deixaram marcas fortes o suficiente pra mudar uma cabeça ou um coração. Lições de que o amor e os relacionamentos devem se calcar em coisas maiores do que o contato físico ou a posse. Isso foi algo que eu aprendi com as mulheres também.
Ainda na ideia de decepções amorosas: Seu processo de composição passa obrigatoriamente pelo sofrimento ou incômodo com algo?
Não necessariamente, mas nesse álbum foi assim. Mais do que falar sobre rompimento ou dor, o álbum fala sobre as reflexões acerca de uma nova vida, a redescoberta do Eu sem a parceira... Algo que homens e mulheres passam diariamente e muitas vezes não sabemos exatamente como lidar. Aí nessa odisséia que começa no fim de um relacionamento até você se reeguer, muitas coisas passam por você até que você possa se equilibrar de novo. Recuperar o gosto pelas coisas, voltar a enxergar os símbolos, os pequenos atos, uma estrada a ser percorrida pelas próprias pernas. O mais reconfortante é saber que esse disco, sim, me ajudou a resolver questões. Estou num momento muito feliz.
O disco foi gravado em Cuiabá. Por que essa escolha?
Queríamos nos afastar um pouco da rotina aqui em São Paulo para gravar, nos focar mais. Poderiamos ter ido pra algum sítio, ou algo assim, mas aí surgiu uma proposta muito bacana do Estúdio Inca em Cuiabá, onde gravamos nosso primeiro álbum [Vanguart, 2007], e fomos pra lá registrar Boa Parte de Mim Vai Embora. Eu, que sempre procuro ficar atento às mensagens do caminho, considerei mais um símbolo maravilhoso para este trabalho: Voltar à casa, reencontrar os amigos e se fortalecer para encarar essas canções tão significativas, àquela altura ainda questões à flor da pele.
Assisti ao show no Sesc Vila Mariana e achei muito interessante ver como a presença da Fernanda muda a dinâmica de vocês no palco. Ela trouxe mudanças no processo de criação e até mesmo na maneira como vocês se relacionam?
Quando começamos a arranjar e compor essas canções, no segundo semestre de 2010, sentimos que alguns números pediam algo a mais. Eu já estava tocando trompete e logo pensamos na Fernanda, com quem já haviamos tocado num projeto do Sesc, em 2010, de homenagem ao Bob Dylan. No primeiro dia arranjamos "...Das lágrimas" e ficamos impressionados como ela pertencia àquele tempo, àquele som, àquela turma. Ela trouxe uma luz e uma coloração muito vital pra o Vanguart nesse álbum. Ela é uma pessoa maravilhosa, fez muito bem a nossa convivência e agora os meninos estão mais comportados com essa presença feminina (risos).
Li que a ideia da capa veio de um conceito de mulheres fortes que permanecem depois que os homens se vão. Isso é algo que está muito presente na vida de vocês?
Totalmente. Tanto eu e como Reginaldo, com quem divido algumas canções do álbum, tivemos uma forte presença materna em nossa criação. Delas herdamos a doçura e a força. A capa foi uma maneira de homenagear essas mulheres, tão presentes e tão importantes na nossa vida, mas também as mulheres que nos formaram nesses anos, amigas, namoradas, cantoras e escritoras. Senti também que as canções mostravam um lado muito angustiado em relação a convivência com nossas ex-esposas, então foi uma maneira de agradece-las pelas lições.
A participação do Reginaldo cantando aumentou neste segundo trabalho. Como surgiu essa ideia?
O Vanguart é um processo muito coletivo, e o Reginaldo é uma das caras da banda. Sempre compôs, sempre foi vocalista, a questão pra nós era achar o lado dele que era menos Reginaldo e mais Vanguart, como eu faço comigo. Isso aconteceu em "...Das lágrimas" que compusemos e cantamos juntos e também na que ele interpreta sozinho "Onde Você Parou". Acho ótimo, traz mais pluralidade ainda pro trabalho, ele tem uma leveza no jeito de olhar a vida que eu não tenho tanto.
Vocês já estão preparados para o sucesso realmente popular, como bandas como Titãs, Skank etc., ou a intenção é permanecerem fortes no cenário independente?
Eu acredito que esse lance de "estourar" é meio coisa do passado, não pensamos nisso. Pensamos sim em continuar compondo e gravando álbuns, emocionando pessoas, em grande número ou não, pelo Brasil, pois é só assim que nossa música vai funcionar. Juntamente com toda repercussão que acontece, nos policiamos e refletimos pra que isso não mude nossa essência, a verdade do nosso som. Claro que queremos mais shows e mais público, mas nossa música já sugere algo mais silencioso, mais secreto...Combina muito mais com alguém ouvindo na escuridão do quarto do que no Maracanã...Embora também estejamos prontos pro Maraca! [risos]
Já existe um folk com características brasileiras, um brazilian folk, como aconteceu com o rock e o rap?
Acho que sim, porque folk é música livre, universal, violão e uma história, violão e um homem amargurado... Mas talvez não seja associado ao termo folk - seja algo maior. Isso é tão antigo e tão atual que hoje vejo as pessoas se identificarem com a simplicidade do folk porque é a história do homem comum. Tudo o que se passa em "Boa Parte de Mim Vai Embora" já aconteceu ou vai acontecer com todo mundo - basta sentir e olhar.
Hoje, a música brasileira influencia mais a banda do que a música internacional?
Sem dúvida! A música brasileira vem nos influenciando desde a época do primeiro álbum, mas agora está muito mais latente. De Jobim a Los Porongas, de João Gilberto a Thiago Pethit, de Cida Moreira a... Cida Moreira! Cida, inclusive, foi minha maior influência como cantor nesse álbum. "A Dama Indigna", que ela lançou esse ano, é um dos álbuns mais impressionantes e pungentes que ouvi na vida. Além dela, este álbum é muito influenciado pelos escritores Jorge Luis Borges e Walt Whitman, que praticamente me fizeram reaprender a andar e a escrever.
Após o lançamento do álbum, quais são os planos da banda? Vocês pretendem tocar em algum festival ou gravar um dvd?
O plano é rodar o Brasil divulgando o álbum e chegar mais perto das pessoas que, inclusive, já têm dado um feedback incrível em relação ao álbum e às letras. No ano que vem já começamos a trabalhar em um novo álbum e quero gravar um DVD bem intimista com essas canções também. Por agora, On the road!
Para ouvir o álbum, acesse a Bandapage no Facebook.