Uma DR com São Paulo

por Nina Lemos

Há dois anos rompi com você com raiva. Bati a porta. Dei para maldizer o nosso lar. Falei mal de você nas redes sociais. Marcamos um encontro semana passada: quase me apaixonei de novo

Quando eu saí, bati a porta e não derramei uma lágrima. Dentro do ônibus, olhava pela janela e pensava: "não vou sentir saudade, seu canalha. Você é egoísta, minha vida com você me deixa triste. Sou solitária nessa relação. E eu quero mais é que você se foda."

Depois de 20 anos de relacionamento (em alguns momentos de paixão intensa) rompi com São Paulo há dois. Saí cantando aquela música do Caetano: "Vampira, sai do meu lado. Sanguessuga que só sabe sugar". Também cantei muito "Odeio Você", porém, finalmente livre, senti um alívio incrível e mudei o repertório para Chico Buarque. "E que venho até remoçando. Me pego cantando. Sem mais nem porquê".

De relacionamento novo, passei a fingir que minha história com São Paulo estava resolvida e superada, mas dava aquelas escorregadas de quem ainda não superou coisa nenhuma. Escrevi carta de ódio (e publiquei nesse site) e falei muito mal do meu ex-amor em redes sociais. "Dei para maldizer o nosso lar, para xingar teu nome, te humilhar."

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De vez em quando me perguntavam se eu tinha saudade. "Eu, saudade de São Paulo, você está louca?". No meio do caminho, encontrei algumas pessoas apaixonadas pelo meu ex-amor. "Eu quero muito ter cidadania brasileira porque meu sonho é morar em São Paulo", disse um alemão, marido de um amigo brasileiro. Olhei para o cara em choque. "Mas por quê?" Como toda pessoa que foi vítima de relacionamento abusivo, eu tentava alertar os outros: "não faça isso, morar lá é horrível". "Ele vai te maltratar". "Ele vai te deixar doente".

Dois anos depois, marco um encontro com meu ex São Paulo. Aviso antes para os amigos que estou apavorada e peço que rezem por mim. Corto o cabelo, faço a unha. Quero estar bem no encontro. Ele tem que ver que eu estou ótima. Mudei muito nesses dois anos.

Na minha nova cidade, São Paulo, seu abusador, eu não preciso me arrumar ou me preocupar em ser cool porque ninguém liga, tá? Na minha nova cidade eu saio sem maquiagem e ela me ama mesmo eu sendo velha. Na minha nova cidade não falam mal da minha roupa e eu posso sair de minissaia porque ela deixa! Mesmo assim, me arrumo. Você vai ver, São Paulo.

Olho para a cidade e vou levando uns sustos. Não sinto amor. Mas também não sinto ódio. "As ciclovias, as ciclovias. Meu deus, tem até bicicleta de verdade passando pelas ciclovias! Que lindo". Por alguns momentos esqueço meu ódio, os abusos e até acho que a gente pode voltar. "Os grafites feministas, que lindo, que foda!" Estou quase apaixonada de novo. Depois vejo que a polícia jogou bomba em um bar. "Tá vendo, seu abusador desgraçado, te odeio! E nunca, eu nunca vou voltar!", "Mas olha, quantas meninas legais na rua, de mãos dadas, elas são foda." Penso que a gente pode discutir o relacionamento e pensar em voltar. Mas logo a PM age de novo e bate em estudantes.

Ainda te amo, São Paulo, e sempre viveremos essa relação de amor e de ódio. Você foi legal comigo, mas também muito cruel. Por isso, acho que é melhor a gente continuar morando em casas separadas.

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