Mundinho enjoado

por Nina Lemos
Tpm #96

Depois do Fashion Cruise, nossa repórter especial conclui: moderno é ser classe média

Acho que não vou conseguir ficar até o fim desse desfile. Tô com enjoo. Eu já vi mais de mil desfiles de moda na minha vida. Mas nunca tinha me acontecido de pensar em, literalmente, abandonar o recinto por estar passando mal. E, se eu já vi mais de mil desfiles, isso significa que eu já vi muita coisa ruim. Naquela hora, não era a qualidade da roupa que me enojava. Foi o balanço das ondas que me fez sair correndo do desfile da estilista Thais Gusmão e me jogar na cama com um Dramin.

O remédio não saiu da minha bolsa por um segundo desde que eu embarquei no MSC Orchestra para participar do segundo Fashion Cruise. Sim, existe cruzeiro de tudo, de santo, do Roberto Carlos, de gente zen e do Timão. E, se a moda está na moda, iriam inventar também um cruzeiro fashion.

Fui convidada para fazer parte do grupo dos jornalistas de moda. Claro, porque um cruzeiro fashion precisa ter modelos (e para isso havia um concurso delas a bordo), estilistas (Thais Gusmão e Samuel Cirnansck eram os destaques), DJs (no caso, o trio DePolainas, formado pela modelo Marina Dias, Adriana Recchi e Ana Flavia, o Pil Marques e outros), fotógrafos, redes de TV, “celebridades” (a modelo Caroline Bittencourt, famosa por ter sido expulsa do casamento de Daniella Cicarelli e Ronaldo Fenômeno) e, claro, algumas pessoas que trabalham como jornalistas de moda. Éramos parte importante da engrenagem. Afinal, sem a gente, quem andaria com óculos escuros enormes, inventaria apelidos e assustaria os outros ao gritar coisas como: “Gente, babado, a fábrica da Osklen pegou fogo!”.

Nós, os moderninhos do navio, começamos o cruzeiro de cara fechada. Na véspera de embarcar, eu perguntava para os meus amigos: “Meu Deus, como fui me meter nessa roubada?”. Eles faziam corinho. “Nina, você vai para Maceió, que cafona!” “Cruzeiro? Que mico.”

Mas, quando o navio ainda mal tinha saído de Santos, comecei a ver a luz. “Tô tão feliz, Nina! Olha essas pessoas, tem coisa mais classe média? Eu a-mo ser classe média. É disso que a gente gosta: de sol e de comida farta”, aclamou meu amigo Vitor Angelo, que também integrava a ala dos jornalistas de moda.

A frase do Vitor mudou a minha vida. Moderno mesmo é ser classe média! Deixei minha cara de existencialista de lado e fui aproveitar a minha viagem para o Nordeste – com escala em Ilhéus, Salvador, Maceió e Búzios. Explico. O cruzeiro tinha 3 mil pessoas a bordo. Dessas, só umas 20 eram do mundo da moda. O resto, bem, eram pessoas maravilhosas, que sabem aproveitar a vida e se arrumam de verdade para ir ao baile do comandante – trajando, inclusive, longos muito longos. “Moda brasileira é isso. Não é aquilo que a gente vê na SPFW”, dizia o Vitor, histérico de alegria. “Quem gosta de preto é a gente. No Brasil as pessoas gostam mesmo é de brilho”, concordava o jornalista Ricardo Oliveros.

Pronto. Naquela noite decidimos que o desfile mais importante que aconteceu no navio foi o dos passageiros arrumados para a noite do comandante. Eu mesma, já imbuída de meu espírito classe média assumido, confesso: quase desmaiei quando abri o envelope que deixaram embaixo da porta da minha cabine e vi que... o comandante me convidava para a mesa dele!

“Tô tão feliz, Nina! Olha essas pessoas, tem coisa mais classe média? Eu a-mo ser classe média" (Vitor Angelo)

Sentar na mesa do comandante é muito chique (e podem me chamar de cafona) mas é machista também. Éramos seis mulheres (eu, Caroline Bittencourt, as meninas do DePolainas e a organizadora do navio) e três homens. Era claro que nós, moças, estávamos lá para mostrar que o comandante vive cercado de mulheres e entreter o cara e seus dois companheiros de tripulação. Todos italianos. E vestidos de branco. Chique.

Velhinha de cruzeiro
Eu levei um sapato com um saltinho tímido e o usei na tal noite de glamour. E, mesmo assim, foi difícil me equilibrar. Porque navio balança sim. Dizem que não. Assim como dizem que avião não tem turbulência quando atravessa o Atlântico. Por isso, realmente, me admirei ao ver como as modelos (participantes do concurso Top Fashion Cruise) conseguiam andar de salto enorme. “É difícil mesmo”, concorda Audrey Martins, de 18 anos, uma das participantes do concurso. Até coisas simples, como fazer a maquiagem, ficam esquisitas no navio. “Se está balançando muito, você acaba tendo que pintar o olho mais de uma vez porque borra”, explicou o maquiador Jefferson Ribeiro.

Fiquei completamente solidária com as modelos. Por isso, não concordei quando uma das minhas companheiras de primeira fila do desfile – a Thaís, de 6 anos – soltou: “Olha só como ela anda, parece uma pata!”. Sim, nesse desfile, que aconteceu no deck, onde ficam as piscinas do navio, sentei em uma primeira fila diferente. Os fashionistas estavam no meio do deck, com as modelos desfilando em volta deles. Cheguei atrasada e sentei no chão ao lado de Thaís e sua amiga Nathalia, de 9. Passamos o desfile conversando. E foi aí que eu percebi que os comentários de duas crianças não são muito diferentes dos proferidos por fashionistas de peso (aqueles que têm cadeira cativa nas primeiras filas da SPFW). “Olha como aquela modelo anda estranho”, diz Thaís. “Aquele sapato é lindo”, aponta Nathalia.

Os outros desfiles aconteceram no teatro do navio. E, Deus do céu, como aquele lugar balança. No dia da final do concurso, confesso que não consegui prestar muita atenção no desfile. Eu olhava para a frente, via a cortina balançando e uma fila de modelos indo de um lado para o outro e pensava: “Este navio vai afundar”. Foi a primeira vez que, de fato, achei que morreria em um desfile. Nas minhas anotações, como um mantra, só aparecem: “Dramin, Dramin, Dramin”.

Consegui ficar até o fim e concordar que a modelo que ganhou, Paola Eliana, era bem bonita. Sim, essa coisa de balanço do mar pode ter me deixado boazinha demais. Tanto que, depois de ter sobrevivido em um navio por uma semana, tomei uma decisão: vou virar uma velhinha de cruzeiro. Está decidido. E, se tudo der certo, farei cruzeiros para a Europa. Cafona? Quem disse? Moderno é ser classe média.

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