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Mulher de Verdade

E quando a mulher que acredita nos valores feministas escolhe ser dona de casa?

Mulher de Verdade

Por Micheline Alves

em 3 de maio de 2013

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Amélia – substantivo feminino: mulher amorosa, passiva e serviçal.

No Carnaval de 1942, quando nossas avós ouviam pelo rádio as notícias sobre o governo Vargas ou sobre a Segunda Guerra Mundial, Amélia ainda não era verbete de dicionário. Era só a personagem principal de um samba de Ataulfo Alves e Mário Lago. Por que ela virou substantivo comum? Por ser a síntese de uma imagem muito clara na cabeça de todo brasileiro: a moça sem “a menor vaidade” vivendo à sombra do marido. Tudo o que nós não queremos ser.

Quer dizer, tem quem queira. A Amélia tal como apresentada em 42 continua vivíssima, por exemplo, no sucesso editorial Casamento blindado, que a carioca Cristiane Cardoso lançou em parceria com o marido, Renato Cardoso. Cristiane, filha do bispo Edir Macedo e liderança importante da Igreja Universal, certamente não crê em nada do que prega o Manifesto Tpm – lançado um ano atrás justamente para reforçar nossa vontade de derrubar antigos estereótipos que ainda cercam a condição feminina. Mas o fato de vender mais de meio milhão de exemplares e conquistar 214 mil fãs em uma página do Facebook nos chama a atenção e nos faz perguntar: por que, a essa altura dos tempos, ainda é preciso defender a importância de “enaltecer o marido”, “nunca dizer não quando ele quiser sexo” ou “não tagarelar quando ele estiver cansado”?

Esse amelismo revisitado foi um dos aspectos que nos fez pensar em uma edição sobre “prendas domésticas”. Mas não foi o principal. Ao longo das próximas páginas, pessoas mais conectadas às crenças da Tpm discutem outro lado da questão: e quando a mulher que acredita nos valores feministas, construiu carreira, entendeu que é preciso muito mais do que “ser esposa” para ser feliz etc. etc. decide parar tudo para ser… dona de casa?

A ideia de abrir mão de trabalhar fora para se dedicar à casa e à criação dos filhos, deixando pro parceiro a missão de ir buscar o dinheiro, dá um nó na cabeça de muita gente, mas é a escolha que muitas mulheres estão fazendo. Em março, quando a revista americana New York trouxe na capa uma representante dessa espécie, junto do título “The feminist housewife” (A dona de casa feminista), houve gritaria – e dá para entender por quê. Se brigamos há décadas por igualdade de direitos, salários equilibrados e papéis mais saudáveis para homens e mulheres, como dizer agora que bom mesmo é voltar pra cozinha?

Convém se desarmar e ouvir sem julgamentos quem fez essa opção. A reportagem “Que saudades da Amélia?” mostra variações interessantes do tema: de Alinne Moraes, estrela da TV que leva o maior jeito pros afazeres domésticos e pensa, sim, em dar um tempo na carreira quando os filhos chegarem, a Claudia Visoni, jornalista que abriu mão de uma superpromoção no trabalho para cuidar de gêmeos, da casa e da horta, as histórias (de homens e mulheres) confirmam que há uma diferença abissal entre a antiga dona de casa – a amélia, que o movimento feminista tanto fez para tirar da frente do fogão – e a mulher que agora escolhe se voltar ao lar. E a diferença está justamente nesta palavra: escolhe.

O que antes era obrigação, hoje é exercício de liberdade.

Micheline Alves, diretora de núcleo

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