fiz uma pesquisa para verificar se algum grupo populacional morre mais no Natal e Ano Novo
Nessa época do ano, não importa em que latitude e longitude do planeta se esteja, sempre surge aquele papo de que as taxas de suicídio se tornam muito maiores no período que vai do Natal ao Ano Novo. Holiday blues é o termo usado para justificar a "tendência". E as pessoas suspiram aliviadas enquanto sorriem para o parente com quem passaram o ano inteiro sem falar direito ou dar atenção.
Por mais que isso vire tema de reportagens na TV e até de livros (a propósito, Uma Longa Queda, do Nick Hornby, é uma super dica para as férias), eu preciso contar para vocês que isso é lenda. Há diversos levantamentos que demonstram que, na realidade, os suicídios diminuem consideravelmente nessas datas (e -pasmem- aumentam na primavera e no verão). Provavelmente porque, nesses dias, as pessoas costumam ter mais proximidade da família, o que, por sua vez, inibe as ideações suicidas.
Entre uma mordida e outra num pedaço de chocottone, eu comecei a pensar sobre o assunto. Pensei no que costumo ver na UTI no período e resolvi cruzar isso com uma uma pesquisa na literatura médica atual para verificar se há algum grupo populacional que tenha mortalidade aumentada no Natal e Ano Novo.
Para a minha surpresa, são as mortes por causas naturais que aumentam nesse período. O que são mortes por causas naturais? Comer tigela de açaí com mosquito barbeiro ou palmito com bactéria do botulismo? Não. São aquelas que são resultado direto do trabalho da mãe natureza, as que são consequência direta de um processo de doença: Infartos, cânceres, pneumonias, AVCs, etc. Ou seja, a imensa maioria das mortes.
Verifiquei que o maior e mais recente estudo acerca do tema Morte no Natal e Ano novo é americano e foi publicado em 2010. Os investigadores examinaram os atestados de óbito dos EUA num período de 25 anos, totalizando algo como 58 milhões (!) de mortes. E perceberam que as mortes por todas as causas naturais (com exceção dos cânceres) aumentaram de forma significativa nesse período. Ou seja, aumentaram as mortes em decorrência de infartos, AVCs, arritmias, doenças respiratórias, diabetes e quase tudo que vocês imaginarem.
Os motivos não foram investigados. Mas, se isso coubesse a mim, eu especularia que o fato é decorrente de um mix composto por ausência do médico do consultório (afinal, também precisamos de uns dias livres para ver a família nessas datas, quando conseguimos), demora para procurar atendimento em pronto-socorro (quem quer ir para o hospital nessa época?!) e, principalmente, expectativas irreais em relação à data.
Eu vou explicar. Desde novembro, já aparece panettone no supermercado e a publicidade começa um bombardeio desleal de imagens enfiando a definição de natal (e família) ideal goela abaixo, como se fôssemos frango para abate: são casas extravagantemente decoradas, mesa fartíssima, pessoas bem vestidas e felizes, risos sem fim rodeadas da família e amigos, todos unidos, com barriga negativa e em sintonia. Só que, como não há filtro de instagram na vida real, o que acaba realmente acontecendo na ceia de Natal são indiretas e cobranças em cima de quem não segue o protocolo social e cutucadas motivadas por rancor de algum fato do passado. A frustração é inevitável. E, se adicionarmos à equação álcool em excesso e comida gordurosa em quantidades glutônicas (uma refeição típica de natal contém as calorias necessárias para um dia inteiro), temos, literalmente, um prato cheio para arritmias e anginas.
Não esqueço de um caso que recebi na UTI no Natal, há uns dois anos: um senhor aposentado obeso e hipertenso, de barba macia e branca e aparência doce como seu sangue (era diabético também), que tirava grande parte de sua renda fazendo bicos de papai noel em dezembro. Ele se queixava de uma dor no peito que descrevia como "a pisada de um elefante", que tinha começado depois de uma discussão com o filho. Estava infartando. Depois de prescrever medicação para aliviar seus sintomas, perguntei se ele havia melhorado. E a resposta foi um sonoro "PRA C*RALHO". Saído da boca do papai noel e contrariando todas as regras de como o Natal deve ser.
Sou contra as festas de fim de ano? De forma alguma. Só fico um pouco incomodada com a felicidade obrigatória e com hora marcada que vêm com elas. A ansiedade que isso gera não tem como ser boa para a cabeça nem para as coronárias. Hora marcada, pra mim, só em consulta médica. Não sei dizer se minha postura é certa ou errada. Sei que é a que funciona para mim. Sem expectativas irreais, aproveito a companhia das pessoas reais. #nofilter mesmo. Não faz o menor sentido a gente se matar para ser feliz.
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