Morar na Argentina à vezes não é tão bacana

por Ana Manfrinatto

Sobretudo quando você abre o jornal e se depara com uma coisa destas...

Ontem definitivamente não foi um dia legal pra mim. Tudo começou quando a simples missão de comprar um modem sem fio – que a Claro anuncia como sendo a forma mais simples de se conectar a internet – que acabou se tornando um périplo sem fim. Resumindo: porque eu sou estrangeira tive que comprar o aparelho em vez de ganhá-lo junto com o pacote mensal e, chegando em casa, percebi que o sistema está longe de ser tão fácil quanto parece e, para ajudar, que não tem sinal onde eu moro. Ou seja: um caos.

E enfim, no final deste mesmo dia o que é que eu encontro no jornal Crítica de la Argentina, até então respeitado por mim? Um texto do escritor argentino Washington Cucurto cheio de agressões aos brasileiros que circulam aqui por Buenos Aires. Ele comenta que viu centenas deles em uma tarde na rua Lavalle, que “dá coisa” ver como a valorização do real beneficia os compatriotas que desembarcam no aerporto internacional de Ezeiza e compram tudo o que vêem pela frente: alfajores, artigos de couro, suéters de cashmere.

Também disse ser insuportável o murmúrio “em português ou em malíssimo espanhol que eles chamam de portunhol” escutado nas ruas.  Tem uma parte que diz assim: “amam Buenos Aires assim como amamos suas praias e seu sexo fácil. É que Buenos Aires não pode ser comparada com o inferno que é São Paulo. Buenos Aires é cordial, tranquila e até mesmo afetuosa e melancólica”.

E o texto segue nesta mesma linha dizendo que os brasileiros viajam para a Argentina também para “se cagar de frio” em Bariloche ou “tirar fotos com umas baleias estúpidas” no sul.  E embora o senhor Washington Cucurto admita ter inveja do Brasil, de suas praias e mulatas que, segundo ele, dá pra passar três dias olhando a bunda sem cansar; foi lamentável ler tudo isso.

E não é porque eu sou brasileira, não! Seria lamentável ler algo assim sobre qualquer tipo de imigrante e/ou grupo de turistas presente em qualquer território. Porque isso é preconceito.

Sim, nos circuitos turísticos da cidade há zilhares de brasileiros que caminham pelas ruas falando alto e consumindo ao montes. Porque sim,  a conversão é super favorável (1 real vale pouco mais de 2 pesos argentinos) e permite que muitos brasileiros que quiçá nunca tenham saído do país venham a Buenos Aires para passear e movimentar a economia como nunca (eu tenho gosto de ver nossos compatriotas comprando geral no Free Shop). E assim como há este tipo de brazuca por aqui, também tem o estudante de comunicação social que vem com a mochila e fica hospedado em albergue da juventude e o brazuca high class que tem amigos argentinos frequenta torneios de pólo.

É que eu não sou deselegante, senão ligaria para o senhor Washington e diria que estes brasileiros a quem ele se referem equivale às hordas de turistas argentinos que, na época do 1 a 1, enchiam as areias de Florianópolis e voltavam com as malas cheias de camisetas de algodão, toalhas e lençóis brasileiros. Se eu fosse deselegante também diria que argentinos e argentinas talvez busquem “sexo fácil” em terra brasilis porque não suportam a histeria dos seus compatriotas. Pelo menos é isso o que os meus amigos argentinos dizem...

Mas, repito, não sou deselegante. E também não sou preconceituosa como o senhor Washington. Justamente porque eu sei que tanto aqui como no Rio de Janeiro há todo tipo de turista. Assim como em todo o mundo, seja no país que for, há todo tipo de gente: que é legal e que não é.  E se ouvir comentários preconceituosos em relação a bolivianos, peruanos e negros (que aqui são as pessoas de tez morena vindas do norte argentino) não é nada legal, ler um artigo preconceituoso em relação aos brasileiros publicado no jornal também não o é. Né?

fechar