Em texto especial para o site, colunista da revista Tpm declara seu amor pelos sobrinhos
Minha irmã telefonou para dizer que não poderia ir à olimpíada escolar de Marcelo, o caçula de três, e queria perguntar se eu faria o favor de substituí-la no grande evento, que seria no dia seguinte, às oito da manhã.
Para jornalistas, oito da manhã é o equivalente a três da manhã para engenheiros. Ainda assim, não me passou pela cabeça dizer que não iria.
Metade de mim ainda dormia quando entrei no ginásio onde aconteceriam os jogos. Mas não há como se manter levemente adormecido tendo oitenta crianças entre seis e oito anos gritando e correndo a seus pés.
Mas como encontraria o minúsculo Marcelo no meio daquela multidão?
Comecei a franzir os olhos a fim de tentar enxergar melhor os rostos daqueles seres-humanos minúsculos. Não precisei fazer muita força: Marcelo me enxergou no meio do que deveria ser para ele uma multidão de pais e mães e veio correndo, arrastando em minha direção toda a euforia com que encara o mundo.
Quando finalmente o vi, ele estava radiante, deixando escapar naquela pequenina expressão sempre tão grandiosa toda a alegria de me ver ali. Como faço sempre, ajoelhei e deixei que ele me agasalhasse em seus bracinhos. Por um momento como aquele eu seria capaz de atravessar cinco desertos às três da manhã.
Fechei meus olhos e encostei a cabeça em seus ombrinhos.
Adormecida de paixão, assisti a todos os jogos com a certeza de que Marcelo era o melhor jogador em campo, qualquer que fosse a modalidade. Como corria! Como jogava! Como dava ordens!
Quando sofreu uma entrada mais dura, minha vontade era invadir a quadra e ir ter com o menino que fez aquilo. Tendo alguma noção do ridículo, coisa que me visita raramente, resolvi que o mais maduro seria continuar onde estava.
Ao final, ele voltou a me flagrar no meio dos adultos e veio se despedir. Minha vontade era que ele nunca mais saísse dali. Queria continuar a conversar, a observá-lo romper pelo mundo. Mas ele foi tirado dali por um amiguinho e, enquanto voltava para a classe, olhou para trás e deu um tchauzinho com as mãos.
Fiquei ali sozinha sem ter o que fazer com todo o amor que estava sentindo. Será que a professora me deixaria assistir a uma aula apenas para poder observá-lo um tico mais? Novamente fui visitada pela noção do ridículo e desisti de pedir coisa parecida para algum dos professores que ainda estavam na quadra.
Sozinha, voltei para casa pensando em Marcelo e em como eu o amava.
Ao todo, são nove sobrinhos. Nove pequeninos homens e mulheres que me amam explicitamente sem eu nunca ter feito muito para ser merecedora de tanto afeto.
Paulo, de 18 anos, tem comigo uma relação de adoração quase palpável. Cresceu frequentando estádios ao meu lado e nunca deixou de demonstrar todo o carinho que sente por mim. Até hoje, quando fico alguns dias sem aparecer, liga para dizer que está com saudade. E, toda a vez que ele faz isso, me faz acreditar na humanidade.
Antonio, 16 anos, é o mais debochado. Ainda assim, não deixa de me procurar, mesmo tendo um milhão de amigos e uma namorada há dois anos. Sábado passado convidou minha mulher e eu para irmos com ele a uma Temakeria da cidade. Achou, certamente, que estávamos fazendo o enorme favor de levá-lo para jantar, sem ter ideia de como estávamos felizes por ele ter nos escolhido como companhias no dia mais agitado da semana (dele).
Somam-se ao grupo Estela, Francisco, Bruna, Mel, Larissa e Carolina, com idades entre dez e um.
Por todos, nutro devoção religiosa.
Talvez porque sejam um pouco de mim, talvez porque sejam um pouco das pessoas que mais amo e admiro, talvez porque sejam mesmo seres-humanos muito acima da média.
O fato é que saber que eles existem me deixa extravagantemente feliz e me dá uma ideia da grande viagem que deve ser esse troço de maternidade.
Um pequeno abraço deles me faz acreditar que tudo ficará bem e que a vida vale a pena.
Que coisa doida. Que coisa difícil. Que coisa espetacular ser mãe.