Roberta e Marina Filizola remam em São Paulo e deixam qualquer adversário pra trás
Para Roberta e Marina, as paulistanas que arrebentam na canoagem havaiana, não há caos que as impeça de remar
Seis da tarde na marginal do Pinheiros, uma das mais movimentadas vias de São Paulo: carros buzinam, motos passam a milhão e pessoas xingam desconhecidos. Mas, a um muro de distância, o clima é de praia. Homens e mulheres malhados caminham descalços sob um sol de rachar. E as primas Roberta, 38, e Marina Filizola, 27, só escutam o barulho da água. Elas seguem sua rotina: em uma canoa de 14 metros, percorrem 10 quilômetros na raia olímpica da USP com mais quatro atletas.
Esse é mais um treino de canoagem havaiana que a dupla faz todo dia – em canoas de duas ou de seis pessoas. Tudo começou em 2004, quando Roberta foi conferir a mais nova descoberta da prima, que remava há um ano. “Entrei na canoa e nunca mais saí”, diz ela, sentada de biquíni no concreto. “Descontamos a raiva na água e recuperamos a energia”, explica Marina.
No começo, elas só treinavam com a equipe, mas no ano passado se arriscaram numa canoa apropriada para duas pessoas e, desde então, praticam também em dupla. “Como somos as mais presentes nos treinos, resolvemos fazer uma parceria. Mas no começo era só por diversão”, conta Marina. Assim, estrearam juntas no Campeonato Paulista deste ano. Venceram as três primeiras etapas, sendo uma das provas a de resistência: remaram por 25 quilômetros, em Bertioga, no litoral norte de SP. “Aí não dava para parar, né?”, brinca Roberta, que deixou todas as competidoras para trás – o que agora virou costume para elas, que são hoje as atuais campeãs paulistas.
Vida dupla
Mas nem sempre a maré está a favor e, para vencer os quatros campeonatos de que participaram em dupla, elas levaram caldos. Uma vez Roberta caiu da canoa. “Ela segurou no casco e eu a arrastava”, lembra Marina, que, numa outra competição, perdeu o remo. Mas acabou encontrando a tempo de passarem as adversárias. Nos dois casos, elas só trocaram olhares. “No desespero, a gente não grita, só espera a outra se reorganizar”, diz Roberta.
Ela é mãe de uma garota de 5 anos e ganha a vida como artista plástica. Além de remar, corre e pega onda. Já Marina deixou de ser atriz depois de atuar na minissérie global Amazônia, de 2007. Praticante de ioga, faz dança contemporânea, já foi trapezista de circo e interpretou a personagem Internética, no extinto programa SuperPositivo, da TV Bandeirantes, em 2001 – mesmo ano em que foi Trip Girl. Hoje ela vive da renda do apartamento, alugado desde que voltou para a casa da mãe. Questionada sobre a agenda, solta: “Fixo é o treino”, e vai, com a parceira, para a musculação. A malhação ajuda a manter os corpos musculosos e dá base à canoagem, que virou coisa séria. “Agora queremos ganhar”, avisa Marina. Como o segredo é treinar, seguem tranqüilas, em meio ao caos urbano.
A HISTÓRIA DA CANOA
Muito antes de virar diversão, a canoa serviu para colonizar ilhas
Para os praticantes do esporte, a canoa havaiana é mais do que uma embarcação de madeira ou fibra de vidro. Trata-se de um objeto sagrado (dizem até que tem alma), com características femininas e masculinas. O homem é representado pelo casco, a parte forte, que protege os navegantes. A mulher seria a ama (uma espécie de alça que segue o formato da canoa, mas é menor e geralmente fica presa do lado esquerdo da embarcação), responsável por dar o equilíbrio. Isso porque as canoas foram utilizadas na colonização das ilhas Filipinas, da Indonésia, da Melanésia e da Austrália. Vem daí uma tradição de batizar a canoa na água e fazer rituais de dança antes de ela começar a trabalhar. Até hoje, no Brasil, algumas competições só são iniciadas depois da reza que remete a essa cultura, com a intenção de proteger os participantes. Os atletas acreditam que, se a energia entre os integrantes de uma canoa não for harmônica, não rola. “Tem que esquecer os problemas, entrar com a cabeça boa”, defende Serginho Prieto, bicampeão brasileiro e competidor de canoagem havaiana desde 2001, quando o esporte começou a ser praticado no Brasil.
DE CORPO INTEIRO
Quem rema fica com o corpo e o coração prontos pra qualquer onda
Ao contrário do que muita gente pensa, para remar é preciso mais que braços fortes. “O movimento da canoagem começa nas pernas, firmes na canoa, passa pelo abdome, que é o maior músculo que temos, e é apenas finalizado nos braços”, esclarece Alessandro Macero, o Amendoim, professor de educação física e instrutor da dupla Marina e Roberta Filizola na raia da USP. Por isso, quanto mais forte for o corpo, mais amplo é o giro que o tronco faz sobre o quadril e mais longe chegam os braços dentro d’água. E a recíproca também é verdadeira: quanto mais vezes o corpo repete esse movimento, mais forte se torna. Para melhorar o desempenho, muitas atletas buscam outros esportes de apoio. “A musculação nos prepara para a canoa”, explica Roberta. Mas Alessandro ressalta que, para preparar bíceps, barriga, coxas e coração para dar um gás na hora de ultrapassar uma onda ou uma adversária, nada mais eficiente do que o treino da própria canoagem. Segundo ele, o coração de um atleta bomba até duas vezes mais oxigênio nos músculos do que o de um sedentário, aumentando força e resistência, fazendo, assim, da canoagem um esporte multiuso.
Vai lá: aulas de canoa havaiana com Alessandro Macero – r. Prof. Melo Moraes (rua da raia olímpica da USP), 1.382, portão 2, SP, (11) 7806-7737.
MAQUIAGEM WAGNER RIBEIRO (BLZ) ASSISTENTES DE FOTO ANDREA VILAS BOAS E PEDRO LOES